domingo, 9 de outubro de 1988

Para pensar o 12 de outubro

          Da conquista da América sabe-se de atos heróicos. Extraordinárias ações que submeteram mil seres, destruíram outros tantos e que foram imortalizadas em monumentos e pinturas e textos, cantando loas ao domínio que, então, foi estabelecido no Continente.

         Da multidão  que acompanhou os executores da vontade real, pouco se conhece. Do cotidiano, anseios e tristezas desses homens que a península ibérica, exaurindo-se relegou,  tudo se ignora.


          E a História se conta sem as nuanças da vida, sem os detalhes do dia a dia. Abstrata. Fria. Impessoal. Para que os que a fizeram possam viver, para que nos convençam de que viveram é preciso buscá-los na Literatura. A História da Conquista da América é ajudada a se reconstituir  com a leitura dos romances e, entre eles, Supay el Cristiano, Cien gotas de sangre y docientas de sudor, El hombre que trasladaba las ciudades de Carlos Droguett, romancista chileno.  Baseia-se em documentos  e imagina as esperanças e as desilusões dos que vieram para conquistar e destruir.

      No terceiro volume da trilogia, El hombre que trasladaba las ciudades, a presença desses conquistadores será fixada em rápidos traços: mãos cuidadas e envelhecidas, rosto golpeado e velho. A presença dos soldados e dos índios serão indicadas por ações: derrubar árvores, serrar madeiras, desembainhar espadas.

          No ar, os ruídos do Continente a se misturar aos ruídos dos recém-chegados. Da natureza são os sons do bosque, das cascatas, da chuva e do vento. São as vozes dos animais: o cantar dos pássaros, o grasnar dos abutres, o zumbir das moscas. Com a chegada dos conquistadores, a essas vozes se acrescentarão o ladrar dos cães, o relinchar dos cavalos e os muitos tons das vozes humanas. Serão acompanhadas pelos ruídos dos homens no seu labutar; golpes de martelo, ranger das carretas, ruídos das ferramentas e dos disparos perdidos. Em meio a esse novo universo de sons, o barulho das espadas e armaduras que se punham e se tiravam.

           Das páginas desse mundo ficcional, emergem os cenários do Continente, as lutas e o sofrimento dos homens que, embora estejam calcados em textos oficiais, se desvencilharam do esquecimento e da cristalização que o tempo lhes havia conferido.

          Nesse desvencilhar do tempo, obra do romancista, a Conquista se povoou de homens semelhantes aos de hoje. Uma aproximação que não leva ao culto dos heróis - talvez, nem houvessem existido -  nem à lástima das vítimas, embora essas, sim, tenham sido reais. Certamente,  à reflexão  que não convém esquecer   pois  em nome das verdades consideradas perfeitas, a conquista também semeou a destruição e a morte – árvores, animais, seres humanos – no solo do Continente.

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