sexta-feira, 29 de maio de 1987

E depois veio a escola

            José Maria Firpo é um professor uruguaio que, durante trinta anos, deu aulas na escola primária. Tempo suficiente para reunir um fichário com cerca quatro mil nomes de alunos e fotografias de todas as suas turmas, certamente no desejo de prolongar a convivência com as crianças, com um universo que existia pela sua escolha. A escolha de um homem que se auto-define como alguém que ama as crianças, a cidadezinha onde nasceu, um bom chimarrão e seus amigos.

            Observando seus alunos, suas “gracinhas” e “ desacertos” ( de Adolfo, por exemplo, que precisando cortar o pedaço de uma varinha de uns oito ou dez centímetros em duas partes, levou para a escola uma serra de mais de um metro de comprimento), inspirado  nesse mesmo desejo de fixar o transitório, lá por 1945 ou 46, lhe veio a idéia de ir recolhendo o que se ouve, se vê ou se vive na escola. Em 1975, esse material que, durante anos circulou em folhas mimeografadas pelas salas dos professores, foi publicado, pela Editora Arca de Montevidéu, com o título El humor en la escuela. Imediatamente se transformou no livro mais vendido no Uruguay nos últimos tempos.

            Os textos se originam diretamente das salas de aula e aparecem selecionados sob rubricas que indicam assuntos ( o átomo, o sol, a lua, o aparelho circulatório, o sistema nervoso), explicações (porque briguei no recreio) e diferentes temas ( entre eles, os que qualquer escolar já foi obrigado a escrever um dia: “minha vocação”, “uma pessoa que chamou minha a tenção”, “festa na escola”).

            O átomo é uma coisa que quando se amontoa, explode. As vacas são de dois tipos: as vacas dos fazendeiros  e as do vizinho que servem para tirar leite. A grande utilidade do Sol  é que sem ele não haveria sombra para a gente descansar quando faz calor. Quanto à Lua, ela segue a Terra como um cachorro segue o seu dono. A respeito dos conhecimentos sobre o corpo humano, as idéias são menos claras: no que se refere à digestão é preciso engolir devagar a comida e logo  mastigar bem. Sobre o sentido da visão, os olhos são os principais obstáculos que tem o corpo humano.

            Na verdade, qualquer que seja a rubrica, a ingenuidade da expressão infantil provoca o riso. Um riso que passa a se constituir o elemento que dilui uma leitura mais atenta. Dela sobressairiam os textos claramente provocadores: eu gostaria de ver uma pequena molécula mas parece que o microscópio da escola não serve pra nada, está quebrado. Ou, as respostas para a clássica pergunta o que deseja ser quando crescer  que testemunham o universo que está muito próximo: lixeiro, vendedor de cachorro quente, porteiro da escola.

            Em todos os textos a evidência da  radiografia inoportuna de um ensino que há muito deixou de ser coerente e útil e sobre o qual as autoridades, inclusive ou sobretudo as educacionais, se mostram indiferente.      Por isso, a incapacidade  de entender que e a verdade inconteste talvez não estivesse contida naquilo que estava a ser ensinado e da maneira como estava sendo ensinado.  Assim,  as frases truncadas e as idéias embaralhadas   que parecem erros dos que deveriam aprender o que lhes é ensinado podem ser entendidas como resultados de um não ensino.

            Mas, El humor em la escuela provocou somente risos e não diagnósticos.

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