sexta-feira, 1 de maio de 1987

A voz de Teobaldo Noriega: desenvenenaremos a paisagem

            Versos de ternura e de blasfêmias, de erotismo e de saudades. Poeta d e recente voz tornada pública mas de um sábio poetar como se os anos fossem muitos: Teobaldo Noriega, nascido na Colômbia em 1939, arguto e sensível crítico da Literatura Latino-americana.        

            Em 1983 publicara La novelística de Carlos Droguett:aventura y compromiso pela Editorial Pliegos de Madrid a mesma que no ano seguinte lhe edita  Candela viva, seu primeiro livro de versos. Não, porém, um livro de poeta principiante, embora seja o princípio de uma poesia que busca no choro, na raiva, no grito os novos símbolos. Símbolos que se ancoram num dizer grandemente lírico, grandemente simples. Palavras que fluem com a limpidez do sincero sem retoques. Dizendo do destino do homem ( engole o teu quinhão), de suas dúvidas e certezas. Da vida ( Pode-se amar a vida o que já é suficiente) e da poesia. Dizendo do amor. Quando lhe é suficiente a lembrança da mulher amada  no belo poema “Fué sencillo”; quando o remorso de servir um vinho amargo à companheira é por si só uma dor sozinha. Ou, ainda, quando trata do amor que é violento encontro à espera de muito mais ou tão profundo que se compraz no ritual inusitado  dos amantes sem pudor. Um amor reafirmado na busca e nos encontros. Que segue as pegadas inexistentes, um pai perdido em qualquer sombra de seu corpo ou em qualquer misterioso canto da memória, presença desejada que encontra na marca de outros passos, no trato de outras mãos. Para perder de novo. Um amor carregando presença na saudade da mãe, distante, perdida e reencontrada nos mil regressos entre o beijo e a fuga.

            São sofrimentos que se esparramam nas páginas em branco: Esta folha tão branca / na qual escrevo agora porque não agüento mais. Porque sofre, simplesmente ou porque a vida já o marcou bem forte na infância rodeado de abandono e na juventude transformada pelo sonho. E, então, desse interior que se estraçalha e se reconstrói, o olhar para seu espaço primeiro no qual se mesclam as muitas dores do ritual tairona, cristão e africano,  a pátria da escola primária prenhe de histórias de constituições revisitadas e de nomes hierárquicos e de lutas fraticidas, de punhais e de balas, de vis esquecimentos.

            E o sentir dos outros a delinear o sapateiro, o vendedor de guarapa, o cego negociante de loterias, a prostituta, o maricas . Um sentir que se espraia no desejo, na esperança de fabricar sandálias novas  tirando-as de antigas baionetas, de extrair o sol do objeto que já foi granada. Como se acreditasse, realmente, na chegada desse dia glorioso em que eles, os colonizadores se comerão, em que mijaremos nos seus túmulos. Catarse necessária ( e quão inofensiva) para aqueles que esperam (ainda) um destino digno para o Continente. Espaço que resiste aos maus tratos e às maldades dos usurpadores que ao longo de gerações usufruem de riquezas que deveriam ser de todos.

            E, tanto quanto o desabafo é urgente, é urgente limpar, purificar. Um ritual novo.
           em que o lenhador não lenhe
nem o pescador punha as mãos no rio
porque por tarefa comum
desenvenenaremos a paisagem.

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