Depois de uma viagem
complicada, Martín Romaña, o especialíssimo personagem de La vida exagerada de Martín
Romaña (romance do peruano Bryce Echenique, publicada pela Argos Vergara de
Madrid, em 1981) chega na França. Antes, tivera que suportar se despedir do pai
e dos tristes olhos de Inês o quê o faz constatar que é num momento assim que
muitos “se ferram” e não vão a Paris; também
o momento em que muitos insistem em que sim, que irão para Paris e também se
ferram. Martín Romaña foi. Para se embasbacar, como todos aqueles das
gerações anteriores à Dysnelândia, diante de Notre Dame, da Sorbonne e da Civilização. Naturalmente, enredando-se
com os outros latino-americanos do Quartier Latin, sempre sem dinheiro e,
talvez por isso, sempre da esquerda, das mais variadas esquerdas e cheio de
idéias revolucionárias que, sem a menor dúvida, se postas em prática, iriam
salvar o seu país, no caso o Peru.
No
seu dia a dia, como todos os latino-americanos na Franca, enfrentando, primeiro
a ira do dono do hotelzinho cada vez que lhe pedia a chave do banheiro para
tomar o banho cotidiano que a educação da elite latino-americana impõe como
regra irreversível. Depois, enfrentando o funcionário da Sorbonne, “irmão
gêmeo” do dono do hotel que lhe transmite as regras burocráticas: sem o carnê
de residente não poderia se matricular na Sorbonne e sem o comprovante de matrícula
não lhe dariam o carnê de residente.
Nas
seiscentas e trinta e cinco páginas do
livro, são infinitas as aventuras e desventuras de Martín Romaña que, na
qualidade de bolsista, vai conhecendo outros aspectos da França e dos franceses
que não encontrou nos filmes e diapositivos vistos e revistos na Aliança
Francesa de Lima.
Por
exemplo, o sistema de ensino daquela que foi durante décadas, a suprema
catedral do saber. Onde a questão era
bem tomar notas porque no fim do ano quem melhor memorizasse e transcrevesse na folha do exame era quem
obtinha a melhor nota. Era um mundo circular e perfeito no qual os professores
recebiam a mesma coisa que davam e davam a mesma coisa que pensavam receber.
Ou, os contratos de locação em que o sub-locador pagava por mês o que o locador pagava trimestralmente para o
proprietário. Ou, ainda, a precisão das mulheres que serviam no restaurante
universitário em atirar a sobremesa exatamente em cima da comida. Constatação
do recém chegado num meio social cujas evidências desconhece, pensando
conhecer, cujo tom de suprema ingenuidade se insere naquela atitude básica do
humorismo de que fala Robert Escarpit que, em Martín Romaña pode se exacerbar,
tornando-se, por vezes, contundente. Sem que, no entanto, nas mudança de tom –
trocista, irônico ou sarcástico - se perca o fio narrativo, se diluam as
esplêndidas situações romanescas, a expressividade perfeita dos diálogos, a
maravilhosa galeria de tipos. A tão
linda história de amor.
E
num narrar que flui, que se desdobra na voz de Martín Romana e, por vezes,
também na voz do narrador demiúrgico que, explicando Martín Romana parece ser
Martín Romana, as histórias se mesclam; tornam-se, prosaicamente reais, a vida dos estudantes latino-americanos em
Paris, os sonhos revolucionários, as peregrinações em busca das raízes
européias. E, uma entre outras, a história de uma descolonização intelectual: a
de Martín Romana.

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