Com
o mesmo êxito dos volumes anteriores, Nacimientos
e Las caras y las máscaras, está
circulando, em espanhol, o terceiro e o último volume da trilogia Memória del fuego de Eduardo Galeano, El sigo del viento.
Construído,
como os anteriores, em pequenos textos que narram a História da América, o
primeiro deles traz a data de 1900. Os demais,
(com exceção de 1920, 1925,1940 e 1947) se sucedem ano por ano até 1984
quando Eduardo Galeano volta de seu longo exílio para recomeçar a vida no seu país.
Mosaicos
a formarem um grande mural, conforme já
foi definido por seu autor, El siglo del
viento (Siglo XXI, Madrid, 1986) conta a história a partir de destinos
individuais, a partir de momentos, de expressões e de leis. Os fios condutores
podem ser o absurdo, o cinismo ou a coragem irrefletida e convicta daquele que
acredita.
Num
Continente onde, desde o princípio de sua História se semeou a injustiça e a
violência, a multidão foi calada. Apoiando-se na miséria e no massacre uns, e
tentando salvar-se da miséria outros, muitos se ergueram para dominar ou para
reagir contra esse domínio. Nesses destinos que se degladiam e nessas lutas
foi-se construindo e destruindo um Continente onde se pronunciavam palavras, se anunciavam ordens que fizerem dele um espaço do absurdo. Assim, palavras
usadas para justificar o direito de vida e de mote: os
índios são seres inferiores. Eliminá-los não é um delito. Ou, para negar a
própria existência deles: os índios não existem consta num certificado que o governante
assinou, atendendo o pedido das empresas petrolíferas que operam nas costas da
Colômbia. Ou, ainda, palavras de sábios conselhos: se querem semear, semeiem em vasos dizem os latifundiários quando
as comunidades indígenas reclamam terra para o cultivo. Sobretudo, para
pronunciar palavras definitivas: isto de
repartir terras não tem pé nem cabeça. E dizendo isso não estavam, com
certeza, se referindo às terras do Continente que os reis ofereciam ao súditos,
de mão beijada, no intuito de garantir a
sua posse. Coerentes com tais palavras, as ordens. As que recambiam
prisioneiros para a Alemanha nazista, determinam o rítmo de trabalho sob o
látego, legalizam a escravidão nos ervais; que fazem prender e fuzilar grevistas. Ordens que propiciam a
usurpação de terras.
Misturados
a essas palavras e a essas leis, os homens que, nos banquetes, somente ingerem
comida com molhos franceses, nos concertos só admitem música européia e nas
exposições apenas querem ver os artistas plásticos do Velho Mundo. Tipos de patriotas perfeitos
como aquele que sai de um palácio invadido pelas forças revolucionárias,
gritando vivas à revolução, com a bandeira nacional embaixo do braço. Enrolada
nela, a máquina de escrever que acabara de roubar.
E
reverso da medalha, a tríade da Pintura mexicana: Diego Rivera, José Clemente
Orozco, David Alfaro Siqueiros. Também, Sandino,
tão franzino que um vento forte poderia levar se não estivesse tão plantado na terra da Nicarágua. E Louis Armstrong, Juan Rulfo, Oswaldo Cruz,
Olga Benário, Alfonsina Storni, Miguel Mármol, Monteiro Lobato, Cantinflas.
E
Pancho Villa, que no cima de uma colina, após infringir poeiras e humilhações
aos gringos invasores, vendo-os partir comenta: Vieram como águias e vão embora como galinhas molhadas.
Para
muitos do Continente, um epílogo longamente almejado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário