domingo, 14 de junho de 1987

Eduardo Galeano: das palavras e das ordens dos patriotas

            Com o mesmo êxito dos volumes anteriores, Nacimientos e Las caras y las máscaras, está circulando, em espanhol, o terceiro e o último volume da trilogia Memória del fuego de Eduardo Galeano, El sigo del viento.

            Construído, como os anteriores, em pequenos textos que narram a História da América, o primeiro deles traz a data de 1900. Os demais,  (com exceção de 1920, 1925,1940 e 1947) se sucedem ano por ano até 1984 quando Eduardo Galeano volta de seu longo exílio para recomeçar  a vida no seu país.    

            Mosaicos a formarem um grande mural, conforme já foi definido por seu autor, El siglo del viento (Siglo XXI, Madrid, 1986) conta a história a partir de destinos individuais, a partir de momentos, de expressões e de leis. Os fios condutores podem ser o absurdo, o cinismo ou a coragem irrefletida e convicta daquele que acredita.

            Num Continente onde, desde o princípio de sua História se semeou a injustiça e a violência, a multidão foi calada. Apoiando-se na miséria e no massacre uns, e tentando salvar-se da miséria outros, muitos se ergueram para dominar ou para reagir contra esse domínio. Nesses destinos que se degladiam e nessas lutas foi-se construindo e destruindo um Continente onde se pronunciavam palavras,  se anunciavam ordens que fizerem  dele um espaço do absurdo. Assim, palavras usadas para justificar o direito de vida e de mote:  os índios são seres inferiores. Eliminá-los não é um delito. Ou, para negar a própria existência deles:  os índios não existem  consta num certificado que o governante assinou, atendendo o pedido das empresas petrolíferas que operam nas costas da Colômbia. Ou, ainda, palavras de sábios conselhos: se querem semear, semeiem em vasos dizem os latifundiários quando as comunidades indígenas reclamam terra para o cultivo. Sobretudo, para pronunciar palavras definitivas: isto de repartir terras não tem pé nem cabeça. E dizendo isso não estavam, com certeza, se referindo às terras do Continente que os reis ofereciam ao súditos,  de mão beijada, no intuito de garantir a sua posse. Coerentes com tais palavras, as ordens. As que recambiam prisioneiros para a Alemanha nazista, determinam o rítmo de trabalho sob o látego, legalizam a escravidão nos ervais; que fazem prender e  fuzilar grevistas. Ordens que propiciam a usurpação de terras.

            Misturados a essas palavras e a essas leis, os homens que, nos banquetes, somente ingerem comida com molhos franceses, nos concertos só admitem música européia e nas exposições apenas querem ver os artistas plásticos  do Velho Mundo. Tipos de patriotas perfeitos como aquele que sai de um palácio invadido pelas forças revolucionárias, gritando vivas à revolução, com a bandeira nacional embaixo do braço. Enrolada nela, a máquina de escrever que acabara de roubar.

            E reverso da medalha, a tríade da Pintura mexicana: Diego Rivera, José Clemente Orozco,  David Alfaro Siqueiros. Também, Sandino, tão franzino que um vento forte poderia levar se não estivesse tão plantado na terra da Nicarágua. E  Louis Armstrong, Juan Rulfo, Oswaldo Cruz, Olga Benário, Alfonsina Storni, Miguel Mármol, Monteiro Lobato, Cantinflas.

            E Pancho Villa, que no cima de uma colina, após infringir poeiras e humilhações aos gringos invasores, vendo-os partir comenta: Vieram como águias e vão embora como galinhas molhadas.

            Para muitos do Continente, um epílogo longamente almejado.

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