domingo, 6 de junho de 2004

A emoção da manhã


Navegaciones y regresos foi publicado pela editora Losada de Buenos Aires em 1959. Na verdade, é o quarto livro das odes que Pablo Neruda começara a escrever em 1952 e que marcam o novo rumo de sua poesia: cantar as coisas simples para homens simples. Uma poesia didática, diz Emir Rodríguez Monegal (El viajero inmóvil, Buenos Aires, Losada, 1966), cujo fim é ensinar, mostrar, descrever. Nelas, Pablo Neruda canta o mundo que o rodeia e que, de alguma forma, o impressiona seja o ar, o fogo, o mar, o amor, a alegria, a claridade, os animais, as plantas, as coisas.

            “Oda a una mañana del Brasil”está entre aquelas que resultaram de uma vivência. Fruto das emoções de que foi impregnado diante de uma exuberante natureza tropical que, no poema de seis estrofes, se mostra nas cores e no movimento dos seres que a habitam. Nada mais prosaico do que o primeiro verso: Esta é uma manhã do Brasil. Na sua claridade, o Poeta se insere – Vivo dentro de um violento diamante, / toda a transparência / da terra / se materializou / sobre / minha testa  – como um ser especial com a marca na testa que o privilegia e num mundo mágico que é cercado pela floresta e iluminado. Mundo que mal esboça, nele inscrevendo, porém, a vida que emerge no crescimento das árvores, dos insetos, dos dias para se ampliar no universo imenso em que todas as cigarras que existem desde que existe o mundo, se unem para cantar. Apenas nas borboletas, se fixam os versos da terceira estrofe. Elas se movem no ar, nas flores, no nada: baile feito de cores que o Poeta, ingenuamente, enumera. Retorna ao ciclo da vida, na quarta estrofe, outra vez ao verde, a lembrar a mata e na referência a um amplo rio / que se despenca / em plena solidão. Novamente, o movimento dos répteis, dos mil seres que trocam de planta, de água, de pântano, de toca, das aves atravessando o ar aos quais se acrescentam, na quinta estrofe, os sons que são um grito, um canto, / um vôo, uma cascata.

            O meio-dia chega, a luz se espalha e tudo / fica imóvel. Já não é mais, somente, o Poeta a se saber dentro de um violento diamante, impressão que sente diante dessa vibrante e imensa luz, mas, no tempo que se detém e em que tudo, a terra, o céu, a água entra na sua caixa de diamante. Como um círculo no qual se encerra um universo, contido nos pequenos seres e nas suas vozes, na correnteza do rio, na luz.

            E a metáfora (cristal verde do mundo para significar floresta; voz de mel, de sal, de serraria, de violino delirante para o canto das cigarras). E as comparações (se estende / a luz como se tivess e /nascido em novo rio / que corresse e cantasse enchendo o universo, ampla é a claridade como uma nave / do céu, vitoriosa). São recursos que, assim como esse uso do adjetivo em combinações inusuais – violino delirante, meio-dia sossegado, aves abrasadoras, violento diamante – ou o seu acúmulo diante de um substantivo (voadoras, sucessivas e remotas para borboletas) se alternam com a simplicidade inscrita em outros versos, para transmitir a emoção da beleza. Para o Poeta ela é essencial e ao afirmá-la e ao descrevê-la a deseja para todos.

 Ao partir sempre de uma experiência concreta que deseja compartilhar, o ciclo das odes, com versos que expressam a crença na vida e a confiança no futuro, é um dos mais ricos e mais pessoais do Poeta. Pablo Neruda, para quem as formas e as cores e os perfumes e os sons que procura apreender são sempre plenos de significados, nessa “Oda a una mañana del Brasil”, se deixa, apenas, maravilhar.

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