domingo, 20 de junho de 2004

Cantiga para o Che

No Egito, uma longa composição musical de Rau Mohamed lamenta a sua morte. Na França, Collete Magny; na Itália, Elena Morandi; no Brasil, Sérgio Ricardo; na Espanha, Antonio Antiquera. Na América Latina, os melhores nomes da música, então chamada de protesto: Pablo Milanês, de Cuba; Daniel Viglietti, do Uruguai; Victor Jara, do Chile e uma infinidade de outros mais. As canções dizem de seus méritos e de seus ideais – América libre es la patria mia –, da semente que deixou e que nem o vento, nem a neve irão destruir. Ou expressam uma despedida ou afirmam que não morreu, pois cada guerrilla nueva lo hará sentirse vivir. Também falam desse espaço de planaltos e selvas por onde encaminhou seus passos e desses militares, da fúria dos poderosos que o seguiram até a sua morte da qual não haverá esquecimento. Algumas, são puro lamento, expresso na música e nas vozes; outras, querem ser alegria porque acreditam no valor da  herança que deixou. Quase nenhuma delas, salvo por aqueles que, se constituindo exceção, têm interesse pelo que acontece no Continente,  foi ouvida pelos brasileiros,  pois, sabidamente,  o Breasil dá as costas para a América Latina. Assim, somente trinta anos depois e porque um amigo, o Dr. Joaquim de Montezuma de Carvalho, insigne ensaísta português, me enviou cópia de um texto publicado em A nossa gente (Ano XXVII, número 1.112, de 2004) tomo conhecimento do disco Galicia Canta, de 1970, o primeiro a ser editado com poemas e música galega, proibidos na Espanha. Com a ajuda de Celso Emilio Ferreiro, cuja obra serviu de guia a muitos poetas galegos dos anos 60, um grupo de jovens artistas, que procuraram refúgio na Venezuela, realizaram um trabalho de resgate dessas composições. Entre as doze cantigas que compõem o disco, hoje uma raridade, a “Pandeirada ao Che”, tem música de Xulio Formoso, numa interpretação em que está presente o toque do pandeiro de Celso Emilio Ferreiro, para o poema de Farruco Sesto Novás.
            Nascido em Vigo, cidade da Galícia, na Espanha, Farruco Sesto Novás emigrou, em 1943, com a família, para a Venezuela onde se formou em Arquitetura e onde se tornou um dos seus mais destacados profissionais. Embora esteja profundamente arraigado no seu país de adoção, conserva o galego como língua literária. Seus livros foram publicados em Caracas, geralmente em edições de reduzida tiragem. Da estrela e da fouce (1967) foram somente duzentos exemplares. A ele se seguiram Por unha mulher (1976), Porta Aberta (1976), Poema de amor a Rosalia (1985). No poema “Pandeirada ao Che”, Farruco Sesto Novás, militante de esquerda, se prende não à figura do Che, mas à mensagem de seu ideal revolucionário. Usando  um tema que parece ser caro aos poetas da Galícia, o vento, o  incorpora ao ideal do guerrilheiro que se quer livre e desimpedido para ir e vir e assim  poder se espalhar. Um vento que é como uma estrela, como uma foice, que nada imobiliza e que nada, nem mesmo a morte, detém. Um vento pleno de vontade de queimar e de transformar; um vento que muda em rosas o sangue que o antecede, que abate os inimigos, que afugenta as sombras, dando lugar ao amanhecer. Um vento de lua nova que é luz do dia. E que, assim, invencível, tem um nome. A voz do poeta, dirigindo-se ao guerrilheiro, o diz: um vento que leva o teu nome Che. Verso que é entremeado aos demais do poema e se repete sete vezes, formulando a certeza de que haverá mudanças e que elas partirão da figura revolucionária do Che Guevara e de seus ideais.
            Uma cantiga, nesses idos de 1970, ainda a prenunciar futuros, ainda a presumir esperanças.

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