A
narração – construída em pequenos textos objetivos e sintéticos, antecedidos de
uma marcação de tempo precisa – se inicia com um fato aparentemente sem
importância, a chegada de Jorge Eliécer Gaitán a seu escritório às oito e trinta da manhã. Continua em mais nove parágrafos até chegar
às quatorze horas e cinco minutos, quando morre, vítima de um atentado
político, assassinado, como disse um homem do povo, por um “João Ninguém”.
No
romance, são diferentes vozes que se entrelaçam para reconstruir esse episódio
de violência e a violência que dele se originou. E o que aconteceu adquire
distintos tons: a primeira dama do país se confessando “desagradavelmente
surpresa” ao saber da morte de Gaitán; uma senhora da elite econômica se
lamentando de que as coisas estejam
acontecendo exatamente no dia em que iria se apresentar no teatro Colón um
afamado cantor; Sabina, uma empregada doméstica, murmura rezas e acende velas a mando da patroa. E o jovem do
povo, levado de roldão à luta armada, testemunhando o horror da frente de
combate. Entre essas vozes e tantas outras, a de Ana. Ela está no terceiro ano da escola primária, já
sabe ler e somar. Em meio aos interesses próprios de sua idade ( deliciar-se
com goiabas, ganhar a medalha de primeiro lugar, assistir filmes do Gordo e o
Magro, comer a merenda), participa, ainda que protegida pela distância, do medo
e das dúvidas que dominam a família e a cidade.
Na
escola, as freiras, nervosas mudam as
normas no que se refere à ida para casa: que as meninas não formem fila por
ano, como sempre mas, a partir da direção da cidade onde moram; que as mais
velhas cuidem das menores e que tão logo saiam do colégio corram o mais
depressa possível. É claro que, no lufa-lufa, houve quem deixasse cair os
cadernos e quem tivesse medo de que lhe matassem o pai.
Para
Ana, ao chegar em casa, correndo, as reprimendas: como dar ponta-pé no portão?
Não lhe ensinaram que se toca a campainha? Ou, ao pedir, faminta, a merenda,
receber como resposta que não é hora de
pensar em merenda. E, incompreensível para ela, a incoerência dos adultos ao determinarem que o momento era grave
demais para lhe matar a fome enquanto,
nervosamente, providenciam a compra de muitos gêneros alimentícios antes que a
turba saqueie tudo.
Assim,
enquanto a cidade é saqueada, enquanto a multidão se embebeda e cadáveres se
espalham pelo chão, enquanto a rádio incita o povo às armas, as perguntas de
Ana vão ficando sem resposta. Somente se
lembram dela para lhe mandar tirar o
uniforme.
Sem
muito entender do que se passa – a morte do chefe do “grande Partido Liberal”,
as cabeças penduradas nos postes, o medo dos adultos – os sete ou oito anos de
Ana darão o testemunho de um caos que
foi vivenciado por Alba Lúcia Angel, romancista colombiana nascida em 1939.
Ao
escrever, entre 1971 e 1975, Estaba la pájara pinta sentada em el verde
limón, ela retoma as questões, cujas respostas, provavelmente, também foram
escamoteadas quando tinha a idade da sua personagem. E se inscreve entre os
escritores que assumem um compromisso com a realidade de seu país, buscando
novas formas que possibilitem a compreensão de sua história.
Daí esse seu romance conter não somente o
atentado do dia 9 de abril de 1948, inserido no cotidiano de uma menina, mas,
talvez, principalmente, o cotidiano de
uma menina inserido na violência instaurada, em Bogotá, no dia 9 de abril de
1948.

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