domingo, 8 de janeiro de 1989

De realidades e desvarios

             Nas telas, um filme de Josph Losey, “Cerimônia secreta”. Seu argumento teve origem num romance latino-americano cujo autor, Marco Denevi, um argentino que, já em 1955, havia escrito Rosaura a las diez, considerado por Fernando Alegria como o melhor romance policial escrito em língua espanhola. Nos anos seguintes publicou Um pequeño café, Hierba del cielo, Falsificaciones e, em 1960, primeiro lugar entre três mil, cento e quarenta obras, num concurso realizado pela Liem espanhol, Cerimônia secreta.


            Algumas ruas de Buenos Aires, o casarão da rua Suipacha e seis personagens. Nada que afaste as cento e trinta páginas desse breve romance de um realismo e de uma lógica baseados na  observação minuciosa do ser humano e de seu espaço.

            Um mundo feminino. São cinco personagens que mais ou menos intensamente se inserem, por acaso, na vida de Leonides Arrufat: Natividad Gozález a quem ela, em silêncio, intimava a sair do  bairro usando como mensagem um ramo de urtiga que todos os dias colocava sob a soleira da indesejável; Mercedes e Encarnación,  interlocutoras de um diálogo do qual acabaram por ser vítimas; Cecilia que, encontrando em Leonides semelhanças com a mãe morta a adotou como tal durante  o período que lhe durou a amnésia; e Belena, chamada pelo nome apenas para se tornar a personagem principal da cerimônia secreta.
            Leonides Arrufat desfila cotidianamente por um pequeno mundo e suas desventuras. A  partir  de um incrível encontro, seus passos seguem outros passos e ela se transforma ou, simplesmente, passa a ser ela mesma.  O desvario em que, levada por sua tremenda solidão, ela está mergulhada, se ampliará, entrelaçado ao de Cecília, vítima não somente da solidão, mas de uma agressividade injusta que a conduz à criação de uma vida ilusória. As situações que elas vivem juntas e os diálogos ( se é que assim podem ser chamados) que entre elas se estabelecem só adquirem, então, coerência, inscritos nessa incoerência que a vida lhes oferece.

            Desses desvarios  e incoerências, dessas vidas destruídas pela vida, Marco Denevi, sem se afastar de modelos, elaborou um magistral retrato do ser humano. Um retrato que vai sendo construído numa narrativa surpreendente. Demasiado lúdica para ser inocente. 

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