domingo, 5 de agosto de 2007

A voz desvanecida


Desce do bonde e por acaso, ao entrar num armazém de fim de linha para a compra de cigarros, ele aceita o convite de quatro rapazes que lá estavam e segue junto para a praia no passeio que deveria durar um dia e que, para ele e para um deles,  Norberto, acabou  resultando num tempo bem maior  e em acontecimentos que foram surgindo e os levaram até o Rio de Janeiro de onde volta para o lugar de sua infância, às margens do Cati, no extremo sul do Rio Grande. 

            Ele é mencionado de vários modos: o passageiro, o outro, o pobre,  o amigo, o companheiro, o Cati, o maluco, o louco e, de muitos outros. Registrado o seu caminhar, o chapéu que usa, o jeito de comer, um grande medo diante de certas situações, algum gesto. Porém,  parcamente é  ouvida a   voz desse  personagem que dá título ao romance de Dyonélio Machado, O Louco do Cati ( Porto Alegre, Globo, 1942 e a recente edição da Editora Planeta). Uma  voz que, rara vez, diz umas poucas palavras. Ouvidas, atraem o olhar do interlocutor que, no entanto, se depara, apenas, com seu rosto de expressão distante.

            Logo no começo do passeio, o rapaz que dirigia o pequeno caminhão, pergunta o nome do outro, que viajava na carroceria. Diante da resposta, - Maneco Manivela,  conclui: - Tem um nome engraçado. Opinião que, imediatamente, provoca  uma tentativa  para explicá-lo:  -De certo é um apelido. O que perguntara e Norberto, também viajando na cabine, com o “maluco”, se tornaram com vivacidade  mas, ele já estava  outra vez olhando prá frente, pra longe.... 

            Quando, no Rio de Janeiro, Norberto que o levara para lá, tentando  conseguir-lhe uma passagem de volta para o Rio Grande do Sul,  se dirige à polícia, um dos funcionários pergunta se ele pensava voltar por mar. -Eu quero por terra.  Aquela voz soou no gabinete com um tom estranho, subterrâneo.  Os dois fitaram o maluco. Ele não tinha nenhum outro desejo a exprimir. Assumira outra vez o ar indiferente.  Na hora em que devia deixa a pensão, se recusa a partir e fica imóvel até o momento em que Nanci, a filha da dona, procura convencê-lo e é para ela que dirá num sussurro: - Eles vão me levar pra o Cati... A moça acha graça e Norberto explica que se tratava de uma esquisitice dele. E consegue levá-lo para o embarque.

            Já em Lages, é hospedado pelo motorista do caminhão que o levara desde Florianópolis. À mesa, lhe pergunta o nome. O outro ainda engolia. Suspendeu-se um momento. O dono da casa viu a sua atrapalhação. Engula primeiro – sugeriu-lhe.   Foi o que ele fez. E falou depois num apelido... num apelido que ultimamente... -Como é o apelido? – Ah! Isso mesmo – considerou ao ouvir a resposta do outro.

            Sem dúvida, uma incomum estrutura do diálogo. Mostra o domínio que tem Dyonélio Machado de sua narrativa e o talento ímpar que lhe permite  criar um personagem cuja extrema parcimônia de expressão lhe inteira um perfil que é um dos mais intrigantes e comovedores do romance brasileiro.

 

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