domingo, 19 de agosto de 2007

As nuanças do tempo


Em Porto Alegre, desce do bonde e, por a caso, ao entrar num armazém de fim de linha, para a compra de cigarros, aceita o convite de quatro rapazes que lá estavam e segue junto com eles para a praia, no passeio que deveria durar um  dia e que para ele e para Norberto, acabou resultando num tempo bem maior em que acontecimentos foram surgindo e os levaram até o Rio de Janeiro de onde ele volta para o lugar de sua infância, às margens do Cati, no extremo sul do Rio Grande. 


            Lembrando Oscar Tacca no seu imprescindível Las voces de la novela (Madrid, Gredos, 1973), a função do narrador é informar e nela não  está permitido falsidade, nem dúvida, nem interrogação. Apenas lhe é dado poder variar a quantidade de informação que oferece. Em O Louco do Cati, (  Porto Alegre, Globo, 1944 e recente edição da Planeta)  o narrador está fora dos acontecimentos e refere os fatos, na terceira pessoa, sem fazer alusão a si mesmo. No entanto, é constante sua presença, revelada nas explicações que aparecem, entre parênteses, em que acrescenta algo sobre os personagens, o cenário, um ou outro sucesso, ou tempo, introduzindo um elemento coloquial que o aproxima de um provável, eventual interlocutor. A palavra tempo aparece se referindo à condições  meteorológicas: o navio jogava muito ( o tempo ficara feio); O calor não podia-se manter por muito tempo (já se estava quase no outono). Quando vários personagens precisavam seguir viagem aquele tempo louco os atrapalhava:  (Parecia até, pelo jeito com que se reclamava a decifração meteorológica, que era um corretivo que se queria infligir ao tempo). Em outros momentos, aparece, entre parênteses,  a satisfação  de todos: ( O vento que fazia e que todos já suportavam com satisfação porque viria limpar o tempo). Muitas vezes, a referência ao tempo completa um cenário, remete a uma ação. Referindo-se  o narrador  à tonalidade verde-vinho da parede e dos móveis da casa de dona Josefina que ficava mais nítida com a luz do dia, acrescenta, entre parênteses (embora um dia sombrio). Numa  seqüência a hora é mencionada com exatidão, às quatro da tarde e o que se segue, entre parênteses esclarece sobre as condições meteorológicas ( quando o tempo se fizera melhor e até o vento cessara); noutra, igualmente, a hora é mencionada – inclusive duas vezes – e a imprecisão é introduzida na frase, entre parênteses ( Às sete horas da manhã (viajavam desde a véspera à noitinha), às sete horas tinham sido levados ao refeitório [...].

            Essa menção ao tempo,  condição meteorológica ou sucessão de horas e dias, não somente é uma constante em O Louco do Cati como, repetidamente, se constitui o aporte do narrador de um dado que ele julga  pertinente, ainda que o encerre entre parênteses e ao qual    um sentido esclarecedor, embora diluído na imprecisão. Um recurso de Dyonélio Machado que se faz presente muitas vezes –  com habilidade pontilha sua narrativa de lacunas e nuanças – e se ampara, engenhosamente, no seu direito de ofertar ou recusar informações.  

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