domingo, 12 de agosto de 2007

O registro da palavra


                                 Em Porto Alegre, por acaso, ao entrar num armazém de fim de linha para comprar cigarros, ele aceita o convite de quatro rapazes que lá estavam e segue junto para a praia no passeio que deveria durar um dia e que, para ele e para Norberto, acabou resultando num tempo bem maior e em acontecimentos que foram surgindo e os levaram até o Rio de Janeiro de onde ele volta para o lugar de sua infância, às margens do Cati, no extremo sul do Rio Grande.           

            É revelado pelo olhar dos outros, pela vontade  alheia que decide por ele. Rara vez eleva a voz para dizer uma breve frase que logo se esvai como se fosse dita para si mesmo ou porque mal é levada a sério pelo interlocutor. Ou que é surpreendida por aquele que narra.

            Já de volta para o Sul, Geraldo, o motorista que o havia conduzido de Florianópolis para Lages, pede a um conhecido seu, um sujeito grandalhão, que tratavam de coronel que o leve para o Rio Grande. E, assim, de carro, ele segue até Caxias  de onde continuariam a viagem de trem. Na estação, ao comprar a passagem para Santa Maria, surpreende o coronel que lhe pergunta: - O amigo não é então de Porto Alegre? A resposta, lacônica, é referida pelo narrador, Era e se constitui um parágrafo, seguido de outro, igualmente de uma só palavra: Pausa. Logo, a insistência do coronel: Pretendia porém ir até Santa Maria, arriscava o outro  - Tem negócio lá? Não houve resposta o que induziu o coronel a observá-lo o que não havia feito até então. Percebe seu traje ( o chapéu forçando as orelhas, a capa de borracha mostrando ser de segunda mão) e o seu gesto de querer por o dinheiro e a passagem no bolso interno da capa sem desabotoá-la. A partir daí, o narrador fala do tempo, da chuva que não dá trégua.


     

   
Em Santa Maria, o coronel o convence para um passeio até o centro da cidade, apesar da chuva e não parava de falar mas, o barulho da tempestade impedia  de ser ouvido pelo outro. Gritou para lhe perguntar em que mês estivera em São Paulo. Depois de se informar, o coronel refletiu, calculou e chegou à conclusão de que há um mês ( época em que o outro passara lá) ele ainda não se tinha movido da fronteira para aquela viagem de exploração à capital do grande Estado. – E o amigo gostou? Outra vez é o narrador que responde pelo seu personagem –Gostara.  Resposta que, também, se constitui um parágrafo e  é seguida  por outro, constituído, ainda outra vez, da palavra Pausa. No seguinte, a continuação do relato desse passeio noturno em baixo de chuva.

            Apropriando-se da voz de seu personagem, Dyonélio Machado instaura  um inusitado diálogo. Inusitado que também está presente, e sob diferentes estruturas, na maioria daqueles em que se comunicam os que fazem parte da grande galeria de tipos que povoa o universo de O Louco do Cati ( Porto Alegre, Globo, 1942 e recente edição da Editora Planeta). Como outros tantos outros, se trata de um recurso que reafirma o virtuosismo narrativo do escritor gaúcho.

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