Juan
Zorrilla de San Martin, nascido em Montevidéu, em 1855, tinha nove anos quando
seu pai, temendo que a educação oferecida na capital do Uruguai o afastasse da
fé tradicional de seus antepassados, o internou no Colégio dos Padres Jesuítas
da cidade de Santa Fé, na Argentina, onde fez seus primeiros estudos e, depois,
o enviou a Santiago do Chile para se formar em Direito. Culto da tradição espanhola
castiça que, inegavelmente, conduziu o longo poema que tanta fama lhe traria, Tabaré, publicado em 1886, em Paris.
Mais do que a história do índio que dá nome ao livro, os versos são o
testemunho do confronto entre os espanhóis da conquista e os habitantes do
Continente.
Dom
Gonzalo de Orgaz, cioso de sua estirpe fidalga, chega às planícies do Uruguai trazendo com ele, a mulher, Dona Luz e a irmã
Branca. Numa das investidas terra a dentro, seus homens fizeram muitos charruas
prisioneiros e, entre eles, Tabaré, o índio de olhos azuis e pele clara, herança
da mãe espanhola. Ao passar, rodeado pelos soldados, atrai a atenção de Branca
que entende o porquê de sua luta: defender a
terra em que nasceu / A liberdade que
o espanhol lhe arranca. Também a de Dom Gonzalo que, diante da placidez e
coragem que mostra ao se ver ameaçado pelas armas, lhe permite estar em
liberdade no povoado espanhol. Contraria, então, dona Luz que o exorta a se
lembrar do sangue espanhol derramado: esses
selvagens homens não são [...] não possuem alma. E os seus soldados que ao
ver o índio solto o criticam: Pois não
deu para acreditar, o bom fidalgo /que o índio destes bosques tem uma alma /
como a nossa e é vassalo e súdito do Rei Nosso Senhor?
Assim,
ainda que pretenda conferir aos charruas uma presença na História do Uruguai
pois acredita que se trata de uma raça
morta, uma desgraçada estirpe que
agoniza, uma raça que passou sem
deixar rastro, uma pobre raça moribunda,
o apego a sua origem hispânica faz com que Juan Zorrilla de San Martin o deprecie:
quando diz que, Madalena, a mulher
branca, salva em meio a luta entre índios e espanhóis, será contemplada com avidez felina pelo cacique e levada para
seu toldo para que acenda os fogos do
amor e da guerra. Ainda que o
poeta louve seus feitos guerreiros, dirá que se embriaga e participa de selvagem orgia. Depois de dar à luz a
Tabaré, a espanhola se deixa morrer. Não sem antes batizá-lo nas águas do rio e
demonstrar-lhe muito amor. Em meio aos brancos, Tabaré se angustia misturando
as lembranças da mãe com a atração que nele exerce a jovem Branca. Don Gonzalo,
sem entender o seu comportamento arredio e triste , influenciado pela mulher, o
compara ao tigre, ao jaguar e exclama raça
maldita. E maldita raça dirá um
velho soldado a rememorar os embates outrora ocorridos. E reafirmará Dona Luz à
Branca, propensa à piedade: Estás pensando / Que são capazes de paixões
boas Esses homens nascidos para escravos?
Como diz Jean Franco, sendo o poeta um
fervoroso católico, é compreensível a sua certeza de que somente pela mediação do catolicismo as raças selvagens poderiam ser
salvas da extinção.
Na
década de trinta, durante o primeiro governo constitucional do Uruguai havia sido
determinado o extermínio dos charruas, considerados ladrões de gado.
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