domingo, 17 de junho de 2007

O encontro abençoado


            Cristóvão Colombo passou meses implorando ajuda, incapaz de desistir do sonho de conhecer o fascinante universo que apenas entrevira na sua primeira viagem à América e abriu o caminho da violência: em troca do frete dos navios e mercadorias oferecia um carregamento de escravos. A primeira ilha descoberta foi, então, vítima dos colonos ali deixados. Matanças como represália ou por prazer a despovoaram em menos de dez anos. La Española, hoje o Haiti e São Domingos e, depois, Cuba, em 1508, foram o cenário onde os europeus aprenderam a fazer dos índios animais domésticos e onde cometeram, na luta entre si mesmos, o perjúrio, o homicídio, o roubo. Em La Española foi legalizada a venda de seres humanos, início de um interminável período de atrocidades que a arqueóloga Laurette Sejourné documenta em América Latina: antiguas culturas precolombianas (Madrid, Siglo XXI, 1971). As costas da Venezuela e Colômbia e das ilhas vizinhas, passarão a ser  provedoras do gado humano que, no México, os europeus não cessavam de exterminar. No Panamá, Vasco Núñez de Balboa, com suas armas de fogo, seus punhais e seus cães, pilhou riquezas, escravizou e exterminou índios. Em Cuba, para não sofrerem as atrocidades dos conquistadores que, na sua fúria pela posse do ouro não tinham limites, os índios –  exauridos no trabalho, sem receber alimento, mutilados, assassinados –  muitas vezes, optavam pelo suicídio. Nos relatos de Hernán Cortez a Carlos V, a matança sistemática de um assombroso número de índios é enaltecido: lutávamos por nossa fé e a serviço de vossa sagrada majestade. [...] Deus nos deu tanta vitória que matamos muita gente, sem que os nossos recebessem danos. Seu proceder, dito guerreiro –  ataques ao amanhecer, incêndios dos povoados indígenas, morte de mulheres e crianças – foram os mesmos usados pelos demais conquistadores. No Equador, queimados vivos os chefes indígenas e os demais índios torturados e marcados com ferro. O ouro achando-se em poder dos habitantes do Continente, determinou duas medidas ao redor das quais se cristalizou o mecanismo prático e ideológico da conquista por parte dos monarcas espanhóis. Primeiro, que a finalidade da conquista era econômica e que, portanto, a aproximação com os autóctones poderia ser recusada; segundo, a determinação de uma arenga, um Requerimento para explicar aos indígenas a grandeza dos soberanos espanhóis, do Papa, da fé, em nome da qual lhes proporcionariam ajuda e que se recusassem a submissão seriam capturados. Teoricamente, o documento deveria ser lido (numa língua que os indígenas não conheciam) antes do começo das hostilidades o que nem sempre acontecia. Mas, a partir dele, a inegável legalização da rapina: se não houver submissão à Igreja e ao rei da Espanha, uma guerra sem trégua, por todas as partes e de todas as maneiras; a escravidão, inclusive das mulheres e das crianças e o direito de vendê-las; expropriação de todos os bens e razão para causar todos os males e danos possíveis.

            De fato, concluiu a arqueóloga francesa, tal Requerimento se constitui a estrutura moral que os monarcas divinos e terrestres deram à invasão: a essência divina da conquista.

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