A história se
constrói em cinco partes e cada uma delas possui mais de uma dezena de
capítulos: breves episódios que vão dando conta dos sucessos acontecidos na
viagem do Louco do Cati, personagem título do romance de Dyonélio Machado.
Viagem que se inicia numa tarde de sexta feira, em Porto Alegre e o leva até o
Rio de Janeiro de onde retorna para chegar nos campos de Quaraí. Se a sua
figura, além de se constituir o fio condutor do romance, é a de um personagem
ímpar na Literatura Brasileira, não menos expressivos sãos os inúmeros outros –
belíssima galeria de tipos – que vão surgindo e se sucedem nas muitas etapas de
seu percurso. Em número assaz reduzido,
e a exemplo do que acontece com os demais, os personagens femininos somente se
vislumbram ou se mostram, sobretudo, nas suas ações. Mencionados, são
protagonistas de outras histórias que não constam do relato: mulheres de homens
doentes (uma, acompanha o que está sendo examinado pelo professor Cantel.
Interpelada pelo gesto que afugenta a mosca, pousada no olho do doente, murmura
algo que a narrativa não refere. A outra, ar
triste e cansado, explica a brabeza repentina do marido, pela desconfiança
que tinha de todo o mundo; as presas da cadeia do Rio de Janeiro (surpreendidas
na hora do recreio, caminham de uma extremidade do corredor comprido e voltam.
Duas delas, uma ruiva, magra,
interessante falam com as mãos, com a cabeça, dando a impressão de que,
embora vivendo em alojamento coletivo deixavam os assuntos mais árduos para
serem tratados àquela hora amena da manhã, à hora do sol. E a Jeni que
namorava, pelas grades e à distância, o preso que se encarapitava na janela
para lhe falar; a menina que viajava no navio (e saracoteava contente,
entusiasmada diante da possibilidade de desembarcar e ir ao cinema enquanto a
mãe olhava para ela e pedia modos, se entusiasmando pelas qualidades do moço que nem parecia desse tempo); a
companheira de viagem no ônibus que costeava a praia, branca e de cabelo cor de cenoura, insistindo
em tomar banho de mar; a hóspede do hotel que, ao envelhecer se rodeava de tudo o que era bom: compotas,
conservas, latas de bolachinhas e de biscoitos e já muito gorda nunca saía
do quarto; as alemãzinhas servindo na hospedaria ao pé da estrada cuja dona, alta, voz simpática, muito descansada,
conversou com o motorista do caminhão e não lhe cobrou o café.
Outras,
estão presentes em histórias apenas esboçadas como a da mulher feia, destinada
a não se casar. Sua morte é referida pela filha o que leva a negar não ter sido
escolha de alguém; a da hóspede que, no hotel da praia, se diz independente
(porque o veraneio é para a diversão) e conta, sem pejo, a sua história que
define – ainda que na realidade não o seja – de história simples. A de Ecila e de Nanci que, seduzidas, não recebem
a reparação que o pai e a mãe acreditam lhes seja devida.
Já
com uma função precisa, ainda que mínima, as mulheres que na condição de
criadas se apresentam como ligação entre um episódio e outro: a moça bonita e bem vestida, mas onde se sentia a empregada que introduz o
hóspede na saleta da patroa onde era esperado; a criada do doutor que abre a
porta e manda as visitas entrarem; a empregada da pensão, camareira e copeira, que
era portuguesa e tinha a voz doce e de
garganta como um arrulho que avisa quando os hóspedes clandestinos podem ir
e vir ou que lhes dá recados.
Outras,
ainda que sumamente passageira. possuem uma presença maior no relato.É o caso
de madame Cantel, a mulher do professor: frágil, moça, o cabelo de um castanho fofo. A surdez lhe orientava os gestos: o hábito galante, de se encostar no
interlocutor, colando a orelha muito
fresca, a sua face macia nos lábios
do outro, retirando as mechas do cabelo da orelha ou colocando uma lâmina
delgada flexível, escura entre os dentes para ouvir melhor.
O
fato de se apresentarem tais personagens de maneira fragmentada – um gesto, uma
ação, uma atitude, umas poucas frases ditas – não as diminuem perante as demais que fazem
parte do mundo ficcional de O Louco do Cati. Presenças necessárias ou
imprescindíveis para completar desse mundo os contornos, a habilidade com que
Dyonélio Machado as constrói e na qual não estão ausentes pinceladas de lirismo
e de troça, lhes conferem significados que somente um conhecedor dos humanos e
do fascínio de reinventá-los pode traçar.



