domingo, 4 de junho de 2006

Das rãs


            O escândalo do petróleo foi escrito e publicado em 1936 e quatro edições, num total de dezoito mil exemplares, foram vendidos. No ano seguinte, o livro desapareceu nas trevas da supressão de todas as nossas liberdades, diz Monteiro Lobato, anos depois, ao tornar a reeditá-lo. Acrescenta-lhe, então, outros textos, ao todo, uma vintena. Menciona a existência de petróleo em várias regiões brasileiras, com base em relatórios como o do geólogo Gustav Grossman que, após estudos no país, concluiu: Dada a sua área, a quantidade de petróleo do Brasil talvez seja maior que a de qualquer país do mundo. Ou, em informes como o do dinamarquês Thorvald Loch que descobriu oil-seepage (poço espontâneo, nativo, fluente, é a existência viva, palpável, medível, utilizável do petróleo) à margem direita do rio Mamoré. Como, também, se refere à imediata voz do governo a negar a existência de petróleo no país e às arbitrariedades cometidas a fim de neutralizar os trabalhos dos que se propõem a abrir poços. Lembra que, depois de se mostrar entusiasmado com a possibilidade de existir petróleo na zona de São Pedro de Piracicaba onde foi iniciada uma perfuração programada para dois mil metros, Fleury da Rocha, o Diretor do Departamento Nacional de Produção Mineral, nega a existência de petróleo nessa região: Quem influiu nesse homem para o levar a tão completo repúdio dos ideais da véspera?, se pergunta Monteiro Lobato. Quando se tratou de abrir poços em Alagoas, um de seus homens de confiança se insinuou para dirigir os trabalhos. Técnico especialista, ele desvia do prumo o poço de São João, já iniciado. Logo, abandona a Companhia e parte para o Rio de Janeiro de onde volta para Alagoas, como representante do Departamento Nacional de Produção Mineral para provar ao Interventor do Estado que não era idônea a Companhia para a qual trabalhara. O interventor manda interromper as perfurações.

            Atuações, entre várias outras, que Monteiro Lobato denomina programa de Não tirar petróleo, nem deixar que o tirem, cujo fito é manter o Brasil algemado aos trustes como um comprador que esses trustes desejam tornar perpétuo e para tal, contam com a ajuda dos governantes brasileiros. Estes, por inépcia ou desonestidade, se deixam levar: os Interesses Ocultos, primeiramente orientam os órgãos técnicos da administração, que aconselham os ministros que, por sua vez, conduzem os presidentes e, daí, os representantes no Congresso. Desse modo, partindo da pulga para o elefante, os trusts obteriam as leis mais adequadas aos seus intuitos, sintetiza Monteiro Lobato. Assim, a Lei de Minas que, juntamente com a negação da existência de petróleo no Brasil, na ótica de Monteiro Lobato, nada mais faz do que servir aos interesses das companhias estrangeiras. Assim, o Decreto-Lei 2.179, ao fixar os impostos sobre derivados de petróleo que porventura venham a ser produzidos no país – novidade até então nunca vista: determinar impostos sobre algo que ainda vai existir – contraria a política econômica vigente que taxa o produto estrangeiro para que a indústria brasileira, correspondente, possa se desenvolver e deixa a futura indústria do petróleo sem proteção nenhuma, equiparada à indústria estrangeira equivalente.

            Nesse constatar, registrar, documentar, acusar as manhas governamentais brasileiras e as alienígenas, quando se trata da existência de petróleo no Brasil e de seu aproveitamento, Monteiro Lobato esboça, lamentável e melancólico cenário: Um pântano com quarenta milhões de rãs coaxantes, uma a botar a culpa na outra do mal estar que sentiam. Procuram soluções políticas, mudam a forma de governo, derrubam um império vitalício para experimentar imperantes quadrienais, fazem revoluções, entrematam-se, insultam-se, acusam-se de mil crimes, inventam que o pântano permanece pântano ‘porque ha uma crise moral crônica’ [...] e mandam o ministro da fazenda correr Nova York e Londres de chapéu na mão a pechinchar dinheiro.

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