Porém,
é, sobretudo, nas “Cartas de e sobre a prisão”, nono capítulo do livro, que
mais se faz presente a vivacidade e a rebeldia que lhe são inerentes.
No
dia 20 de março de 1941, Monteiro Lobato é procurado por dois investigadores de
polícia. Apresentam-lhe um mandato de prisão preventiva pelo crime de audaciosa e injustificável irreverência.
Por motivos políticos ou pessoais o certo
é que o Tribunal de Segurança o condena a seis meses de cadeia.
Já
no segundo dia de prisão, ele escreve a Geraldo Serra, que exercendo atividades
jornalísticas e culturais, lhe esteve sempre muito próximo. Pede-lhe que envie
as cartas que estavam debaixo do porta-chapeús
e que se alguém perguntar por ele, pela
sua ilustre pessoa, responda que está ótimo,
satisfeitíssimo, na Sala Livre, com um belo jardim para passear à vontade e com
ótimos companheiros. Quatro dias depois, escreve a seu amigo, o juiz Paulo
de Oliveira Costa a quem pede a libertação de Nelson Mendes Bezerra, um
companheiro de prisão. E no dia 6 de maio, torna a escrever-lhe, agora, para
agradecer o ter concedido a liberdade condicional que o réu havia pedido. Além
dessas, ainda outras duas cartas. Para Benjamim de Garay, que muito auxiliou a
divulgar a sua obra na Argentina e para Leonor de Aguiar, cantora de música
erudita e, depois, tradutora que dele se tornou amiga. Em todas essas cartas, à
parte tratar da publicação de Reinações de Narizinho na Argentina e
relatar o resultado de seu julgamento e as conseqüências de sua prisão, a
presença da troça que faz de si mesmo e da situação em que se encontra: que
está como quer, colhendo o que plantou
e a viver num hotelzinho da Avenida
Tiradentes, gratuito e muito melhor que muitos daqueles da estação Norte;
que na Sala Livre – pitoresco nome dado
ao chiqueirinho é onde mora; que já recebeu duzentas e trinta visitas e tanto doce e bolo e coisas gostosas que já engordou. Troça que não
impede que nele se mostre esse homem cordial e simples que não apenas se
relaciona facilmente com os companheiros de prisão como tenta, ao dialogar com
eles, transmitir-lhes um outro jeito de pensar e que, distribuindo dezenas de
seus livros, lhes oferece poder devanear
no sítio de D.Benta. Ou, esse homem lúcido que percebe não haver nada mais absurdo do que o poder dado a um
homem de condenar outros a uma coisa que ele não conhece: a privação da
liberdade. E que sabe ser o patriota um
ser sumamente sábio – vive da pátria; em vez de dar-lhe coisas, tira-as mas
tira-as à força de retórica. Quando morrer, os necrológios choram o
desaparecimento de um servidor da Pátria. Eu sei como a servem: roendo-a,
devorando-lhe as carnes, vivendo às custas dela a vida inteira. Acham jeito de,
mesmo depois de mortos, prosseguirem no serviço da Pátria; os montepios e
pensões às viúvas e filhas por meio dos quais eles prolongam o devoramento por
anos e anos depois de mortos.

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