domingo, 21 de maio de 2006

A morte das guerreiras


            Rosa, codinome de Maria Célia Correia, foi presa quando seu companheiro já havia desertado. Teria permanecido uma semana na Casa Azul (edificação situada próxima a Marabá que abrigava um Estado Maior ao qual se subordinavam os pára-quedistas de Xambioá e os comandos da selva de Bacaba e onde permaneciam os prisioneiros para serem interrogados), conversando com os militares que a trataram bem. Inclusive, alguns se emocionando ao ouvi-la contar que não era comunista e que para estar junto com o namorado o acompanhara ao Araguaia. Devido ao cerco dos militares não havia podido sair. Assim, ainda que não representasse perigo – e houve militares que pensaram em mantê-la presa, por tempo indeterminado – em nome da segurança, foi executada. Certo dia, embarcou num helicóptero, pensando que fosse fazer o reconhecimento de uma área e entrou para a relação dos desaparecidos políticos.  
            Igualmente executadas, embora já feridas, as guerrilheiras Fátima e Sônia. Helenira de Souza Nazareth, a Fátima, tombou em 28 de setembro de 1972, num confronto com uma patrulha dos fuzileiros navais. No “Diário do Velho Mário”, de autoria de Maurício Grabois, consta que, após matar dois soldados, ferida nas pernas, foi fuzilada.

            A morte de Lúcia Maria de Souza, a Sônia, que anunciou Soldado é cachorro do governo, só atiro em quem tiver galão, se tornou a mais conhecida dentre os militares. Morte que teria sido heróica, digna de respeito até mesmo por parte dos inimigos. Abandonando o curso de Medicina no quarto ano, em 1970 foi para o Araguaia. Bebia água num riacho quando surpreendida por uma patrulha de oito militares. Obedeceu, a meias, a ordem de por as mãos na nuca e levantou o braço esquerdo e com a mão direita foi desamarrando o coldre do revólver. O militar atirou, atingindo-a na coxa e ao perceber que o ferimento sangrava muito, se aproximou. Foi atingido por um tiro no rosto, como também foram atingidos os oficiais que o seguiam. O soldados atiraram e mesmo com muitas balas no corpo a guerrilheira conseguiu fugir e se arrastando se refugiou em meio a umas moitas de capim. Dois militares a encontraram deitada de costas e com a arma na mão ainda quis atirar. Um dos militares pisou-lhe no braço e perguntou o seu nome. Diante da resposta, guerrilheiro não tem nome, ele acrescentou: Nem nome nem vida e apontou, como também um outro soldado, para lhe dar o tiro de misericórdia. Relata: Não soltamos mais o gatilho. Ela ia morrer mesmo, só reduzimos o sofrimento dela. Só paramos quando as balas de nossas metralhadoras terminaram. Ela ficou com mais de 80 furos. E insepulta porque, preocupados em salvar a vida do militar ferido, não perderam tempo com a inimiga morta. Que tampouco foi enterrada pela equipe que foi fotografá-la para reconhecimento em Brasília.

            Nos últimos dias de setembro de 1974, Walkíria Afonso Costa, a Val ou Vera, foi executada com três tiros.

            Estas execuções foram contadas por militares que participaram das ações contra os guerrilheiros no Araguaia a Hugo Studart e tais relatos fazem parte de seu livro A lei da Selva: estratégias, imaginário e discurso dos militares sobre a Guerrilha do Araguaia (Geração Editorial, 2006). Como um grande número de outros , assim, trazidos `a luz, se constituem bem mais do que uma simples reconstituição de fatos. Além de mostrar como as mortes de Fátima e de Sônia, marcadas pela coragem, passaram a alimentar o imaginário dos militares (propósito inicial da pesquisa), dos moradores da região e dos guerrilheiros, leva a imperiosos questionamentos. Entre outros, se fora efetivamente preciso executar as guerrilheiras depois de presas ou feridas; se deveriam ter sido deixados insepultos os corpos dos inimigos abatidos ou enterrados sem a devida identificação. E a uma interrogação maior: de quem emanava a ordem para as execuções?

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