Desolação, reeditado em 2005, pela Planeta do Brasil,
relata os dissabores de três amigos, que se propondo a um breve passeio até o
litoral, se vêem obrigados a prolongá-lo devido a defeito no motor do pequeno
caminhão em que viajavam. Para um deles, Maneco Manivela, se inicia, então, uma
outra aventura: a de se ver (ou assim acreditar) vigiado por um elemento
policial a serviço da repressão.
Publicado
pela primeira vez em 1944, o romance de Dyonélio Machado, mais do que narrar as
peripécias em que se envolveram os três amigos, quer registrar o clima de
insegurança e temor em que viviam alguns brasileiros sob o signo da ditadura
que dominava o país. Paralelamente às andanças do grupo, visando o conserto do
caminhãozinho, vai-se instalando em Maneco Manivela o medo de ser preso o que
ele não compartilha com ninguém. Drama a conduzir o relato feito, sobretudo, de
ambigüidades entre as quais, muitas vezes, a ausência de palavras que expressem
a angústia, as dúvidas, a insegurança de Maneco Manivela, são substituídas pelo olhar. Pelo olhar irão se
esboçar os personagens e, pelo olhar irão se estabelecer significados reais ou
presumidos.
Assim,
é somente o olhar que marca a presença de personagens efêmeros, apenas
mencionados: o mecânico da oficina, onde os amigos foram tentar a compra da
embreagem, olhara o tempo todo para eles com uns olhos sorridentes, malandros; o rapaz moço e mal vestido que, na rua, se prontificou a empurrar o caminhão,
cujo motor não pegava, tinha um olhar
vivo, franco; o outro rapaz, parado perto de um portãozinho, do outro lado
da rua e para o qual Maneco Manivela olhara superficialmente, tinha o pé
direito, levantado, posto sobre uma saliência do muro e o olhar abaixado, preso a
esse pé. Também é o olhar que definirá os sentimentos e emoções de Luiz e
de Leo, os companheiros de Maneco Manivela. Luiz, ao escutar uma combinação a
ser feita, a fim de negociar a peça que faria o pequeno caminhão funcionar,
volta a ter o seu olhar redondo, inquisitivo, admirativo e, em
determinado momento, se lembra do olhar do irmão, trabalhando no bar de que
eram donos: suspicaz e intolerante,
devassando tudo. Irritado, diante de um dos impasses para consertar o
carro, olha para Maneco Manivela com um “olhar
impaciente e interrogativo; face
à tensão de Maneco Manivela com a chegada ao hotel, vindo de Porto Alegre, de
um sujeito, cuja presença o
intrigara, várias vezes ergue rápido o olhar para o companheiro de viagem, um
olhar que espreita os seus gestos, uma
provável ação de sua parte. Admirado com a notícia que o Dr. Matos fora
preso, os seus olhos fuzilam enquanto Leo, o outro amigo, apenas levanta
vivamente os olhos. Porém será um olhar
intrigado e um tanto súplice que Leo irá lançar a Maneco Manivela quando
ele entra no quarto do hotel e o surpreende contando a Luiz a prisão de um
motorista. Olhar que se repete enquanto vai dizendo o que sabe; esperando uma
decisão sobre o conserto necessário, tem
o olhar suspenso da cara de Manivela. E curioso, se mostrará ao se
defrontar com a casa cor-de-rosa de frisos brancos, procurando ver o seu
interior, erguendo o olhar furtivamente
para a janela entreaberta. Chico Galinha, o dono da casa, que oferece
guarida para o pequeno caminhão, ao acompanhar o grupo até a oficina onde
pretendiam comprar a embreagem, tem o olhar que fuzila, alerta e ainda com o grupo, olhando para o céu, comenta que
irá chover. Sob a ramada de seu jardim, estacionado, o pequeno caminhão. Quando
por ele passam, ao entrar na casa, todos lhe deitam um olhar.
Tais
zonas de sombra, tais descrições em que apenas um gesto, uma frase, são
suficientes para conferir ao personagem uma vigorosa presença, ao se enlaçar à
intrincada teia de olhares – origem de interpretações, suposições e certezas –
aprisionarão Maneco Manivela numa trama desconcertante e fugidia .
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