Em “Las vidas del Poeta: Memórias y recurdos
de Pablo Neruda”, publicadas em 1962, na revista O CRUZEIRO Internacional
há um parágrafo que foi eliminado de Confieso
que he vivido (1974). Aquele em que, ao relatar Pablo Neruda sobre esse
tempo em que, perseguido pela polícia de seu país, teve que viver escondido no
campo, na cidade, nos portos, em acampamentos, recebido por camponeses,
advogados, engenheiros, médicos, mineiros, fala na alegria que, se não fossem as circunstâncias, teria
então, sentido. Uma alegria que somente é possível sentir, diz, quando existe
uma identificação absoluta de um poeta com o seu povo: Estou consciente de ter alcançado
está subterrânea distinção, título raro, louros que muitos desdenham mas que
não conhecem. Mais tarde, irá
dizer a Sara Vial, na entrevista realizada a 28 de março de 1965, que leu seus
versos em lugares que teriam espantado os
poetas do passado. Num galpão de tosa de ovelhas na Patagônia, por exemplo,
onde os tosadores interromperam sua
tarefa para escutá-lo. E assim foi em Vega Central, o maior mercado popular de
Santiago, no Sindicato dos Carregadores onde leu seus versos de España en el corazón para homens que
vestiam apenas velhas camisetas manchadas ou tinham o torso nu, como que
alheios ao frio do mês de julho e que se emocionaram até as lágrimas, como ele
narra em Confieso que he vivido. E, também, assim foi em Lota, durante o
comício em que, ao ser anunciado o seu nome e o título do poema que iria ler, a
multidão de mineiros, como um só gesto tirou o chapéu numa calada reverência, feita por dez mil mãos.
Algo
de similar ocorreu no passado dia 20, em Curitiba. Na Programação do “Primeiro
Festiva Latino-americano de Música Camponesa”, organizado pelo MST, Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e pelo Governo do Estado do Paraná, entre
outros conferencistas, Eduardo Galeano. Uruguaio, autor de contos (Vagamundo), de um romance Prêmio Casa
de las Américas 1975, (La canción de
nosotros), de breves textos que narram a História da América latina de
nossos dias e dele próprio (Dias y
noches de amor y de guerra), de um ensaio que foi traduzido em mais de
vinte idiomas (Las venas abiertas de América Latina e de Memórias del fuego, cujos três volumes, feitos de pequenos
textos, é um dos mais belos livros de Histórias das Américas, é um dos poucos
autores latino-americanos, cuja obra, na sua maior parte, traduzida para o
português, é conhecida dos brasileiros. Um interesse não muito comum num país
em que os leitores, em geral, tem a tendência de acreditar que apenas tem valor
o que chega do Hemisfério Norte.
Já
em 1987, a Associação de Professores de Espanhol do Estado do Paraná, realizou
de 28 de setembro a 2 de outubro, um Seminário sobre a sua obra.
Analisados Las venas abiertas de América Latina, La canción de nosotros, Memórias
del fuego e a sua participação
na revista Crisis, respectivamente
por Carlos Roberto Antunes dos Santos, Marilena Weinhardt, Francisco de Morais
Paz e Roberto Figurelli, professores da Universidade Federal do Paraná, os
trabalhos foram publicados no volume II de Cuardernos
Hispano-América (Curitiba). No dia em que devia falar Eduardo Galeano, a
sala Scabi do Solar do Barão estava repleta para ouvir não apenas um escritor
de talento, mas aquele que desafiara os regimes de exceção, chamando, como já
ensinava La Fontaine, no século, as coisas pelo seu nome.
Agora,
dezessete anos passados, novamente em Curitiba e participando de uma
programação oficial, ao ser apresentado ao público – seus leitores fiéis e os
que o vem descobrindo ao longo desse tempo transcorrido e, principalmente, os
que fazem parte do MST, a maioria dos presentes – Eduardo Galeano recebe uma
ovação que irá se repetir, inúmeras vezes, ao longo da leitura de seus textos.
Cada um deles, expressando a realidade do Continente que não consta das
crônicas oficiais. Em “Los nadies” (El libro de los abrazos), “os ninguéns”
são esses compatriotas de cidadãos de qualquer país, cuja existência parece
constar, apenas, nas estatísticas: nenhum direito possuem e, certamente, nenhum
direito irão ter se continuarem na ignorância que lhes coube e lhes nega a
consciência de saberem quem são e o que podem ser. Um texto claro e objetivo
que, ao ser lido para aqueles cuja luta ainda se prende à conquista dos mais
elementares direitos à cidadania como
ter direito à posse de um pedaço de terra, à saúde, à educação, à alimentação e
para aqueles que, já não necessitando dessa luta a aceitam como válida e
imprescindível, certamente não elude o seu sentido. E esse sentido foi
entendido pelos que na sua condição de serem tratados como ninguém, estão
conscientes ou se conscientizam de que podem passar à condição de serem
efetivamente alguém.
E o entusiasmo
dos aplausos enlaçou Eduardo Galeano, arauto de seu tempo, com aqueles que
pelas palavras escutadas passaram a perceber muito mais sobre si mesmos.