domingo, 7 de novembro de 2004

Outras respostas


Por qué en las épocas oscuras
Se escribe com tinta invisible?
Pablo Neruda 

            Esta  sucessão de interrogações foi ditada enquanto o poeta era levado a passear de carro pelos maravilhosos campos franceses, na véspera de regressar para morrer em Santiago. Assim inicia seu artigo “Qué pregunta el libro de las preguntas?” (El Mercúrio, Santiago, 9/7/2004) Luiz Vargas Saavedra. E, antes de se deter em algumas das perguntas que formam o Libro de las Preguntas, diz que Pablo Neruda não as quis organizar por tema e elas se oferecem no livro pela ordem em que foram criadas. Na verdade, ao longo de sua trajetória poética, Pablo Neruda nunca deixou  de fazer perguntas. Em El libro de las preguntas suas indagações sempre são formuladas em estrofes de dois versos octassílabos e formam um conjunto que, no seu profundo lirismo, parecem valer apenas por si. No entanto, instigam  não poucas respostas.

            Em 1991, para comemorar os vinte  anos de atribuição do Prêmio Nobel a Pablo Neruda, as Academias Brasileira e Brasiliense de Letras e a Embaixada do Chile no Brasil, realizaram um concurso de poesia para homenagear o Poeta. José Túlio Barbosa, gaúcho de Bagé, autor de Rastro dos ventos (1989) e Corpo Sentido (1992), atendeu ao chamado, convicto de que uma homenagem a Pablo Neruda, exigia fidelidade cúmplice ao homem, ao poeta e ao político, sobretudo pela apaixonante e apaixonada personalidade em que fundiu, coerentemente, todas as suas facetas.  Em dez noites, ele escreveu, então,Vinte respostas a  Neruda ( segundo lugar entre mais de quatrocentas obras inscritas). Mas esse  diálogo não lhe foi suficiente. Retomou o trabalho e ao vinte poemas acrescentou outros quarenta. Todos formam o volume Manhãs marinhas. Tributo a Neruda,  publicado pelo Instituto Estadual do Livro e pela Tchê! de Porto Alegre em 1994  e, quatro anos depois, em edição do autor.           

            Nas palavras que antecedem os poemas, José Túlio Barbosa diz não ser possível dar respostas às indagações do Poeta chileno; também, de seu encantamento por ter ousado como que tocar a imensidão de Pablo Neruda. Ao escolher, porém, alguns de seus poemas -  motes perfeitos  que atravessam fronteiras lingüísticas e geográficas – cria versos que instauram um lirismo no qual se amalgama o sentir de um homem e o sentir de um homem do Continente. O de um homem   na solidão de quem não expõe alegrias ou tristezas, que se angustia diante da vida  cristalizada num presente vazio (Dormita a solidão em seus cais / à espreita / desde o último aceno / na névoa do horizonte / desde a primeira indiferença / que construiu a redoma / nos olhos de sal / dos que se foram / e nos deixaram / abandonados);  que é submetido à dolorosa sina do existir (pesa a tocaia dos sonhos / assassinados em sorte vã)  É o sofrimento de um homem do Continente que testemunha sobre o   tempo de obscurantismo em que vive ( um, entre os muitos  tempos de obscurantismo) ao aceitar o repto de Pablo Neruda: Por qué en las épocas oscuras / se escribe con tinta invisible?, dizendo do sangue vertido à luz  da tarde; ou, em outros poemas, de mãos cúmplices e o cobre  das armas brutas, de gritos que incendeiam as noite,  de cadáveres surpreendidos / sob a lápide / de um silêncio complacente, de esqueletos descobertos / sob o gelo as calçadas. Expressando, ao responder Y si el alma se me cayó  / por qué me sigue el esqueleto?  não somente a agressão do sistema com suas ameaças, suas perseguições, seus assassinatos mas a indiferença dos que optam por ignorá-lo. Constatação cruel que irá reaparecer em outro poema, respondendo ao de Pablo Neruda: En que idioma cae la lluvia / sobre ciudades dolorosas?:  quatro versos breves, surpreendentes no seu poder de síntese e na força com que fazem constar  essa realidade do sangue derramado que, para aqueles que tem interesses a preservar, é como se não existisse: No ígneo idioma / do sangue / vertido até a fronteira / da cúmplice indiferença.

            Talvez (ou certamente) José Túlio Barbosa não responda, com exatidão, as questões nerudianas feitas, quem sabe, também, para ficarem sem respostas. E esses versos que  entrelaça aos versos de El libro de las preguntas ele os constrói com a emoção  que habita na sua alma de poeta e com as certezas de quem sabe do mundo e de suas penas.

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