Por
qué en las épocas oscuras
Se
escribe com tinta invisible?
Pablo Neruda
Esta
sucessão de interrogações foi ditada enquanto o poeta era levado a
passear de carro pelos maravilhosos campos franceses, na véspera de regressar
para morrer em Santiago. Assim inicia seu artigo “Qué pregunta el libro de
las preguntas?” (El Mercúrio, Santiago, 9/7/2004) Luiz Vargas Saavedra.
E, antes de se deter em algumas das perguntas que formam o Libro de las Preguntas,
diz que Pablo Neruda não as quis organizar por tema e elas se oferecem no livro
pela ordem em que foram criadas. Na verdade, ao longo de sua trajetória
poética, Pablo Neruda nunca deixou de
fazer perguntas. Em El libro de las preguntas suas indagações sempre são
formuladas em estrofes de dois versos octassílabos e formam um conjunto que, no
seu profundo lirismo, parecem valer apenas por si. No entanto, instigam não poucas respostas.
Em
1991, para comemorar os vinte anos de
atribuição do Prêmio Nobel a Pablo Neruda, as Academias Brasileira e
Brasiliense de Letras e a Embaixada do Chile no Brasil, realizaram um concurso
de poesia para homenagear o Poeta. José Túlio Barbosa, gaúcho de Bagé, autor de
Rastro dos ventos (1989) e Corpo Sentido (1992), atendeu ao
chamado, convicto de que uma homenagem a Pablo Neruda, exigia fidelidade cúmplice ao homem, ao poeta e ao
político, sobretudo pela apaixonante e apaixonada personalidade em que fundiu, coerentemente, todas as suas facetas. Em dez noites, ele escreveu, então,Vinte
respostas a Neruda ( segundo lugar
entre mais de quatrocentas obras inscritas). Mas esse diálogo não lhe foi suficiente. Retomou o
trabalho e ao vinte poemas acrescentou outros quarenta. Todos formam o volume Manhãs
marinhas. Tributo a Neruda,
publicado pelo Instituto Estadual do Livro e pela Tchê! de Porto Alegre
em 1994 e, quatro anos depois, em edição
do autor.
Nas
palavras que antecedem os poemas, José Túlio Barbosa diz não ser possível dar
respostas às indagações do Poeta chileno; também, de seu encantamento por ter ousado como que tocar a imensidão de Pablo
Neruda. Ao escolher, porém, alguns de seus poemas - motes perfeitos que atravessam fronteiras lingüísticas e
geográficas – cria versos que instauram um lirismo no qual se amalgama o sentir
de um homem e o sentir de um homem do Continente. O de um homem na solidão de quem não expõe alegrias ou
tristezas, que se angustia diante da vida
cristalizada num presente vazio (Dormita
a solidão em seus cais / à espreita / desde o último aceno / na névoa do
horizonte / desde a primeira indiferença / que construiu a redoma / nos olhos
de sal / dos que se foram / e nos
deixaram / abandonados); que é
submetido à dolorosa sina do existir (pesa
a tocaia dos sonhos / assassinados em sorte vã) É o sofrimento de um homem do Continente que
testemunha sobre o tempo de obscurantismo em que vive ( um, entre
os muitos tempos de obscurantismo) ao aceitar
o repto de Pablo Neruda: Por qué en las épocas oscuras / se escribe con
tinta invisible?, dizendo do sangue vertido
à luz
da tarde; ou, em outros poemas, de mãos cúmplices e o cobre das
armas brutas, de gritos que incendeiam
as noite, de cadáveres surpreendidos / sob a lápide / de um silêncio complacente, de esqueletos
descobertos / sob o gelo as calçadas. Expressando, ao responder Y si
el alma se me cayó / por qué me sigue el
esqueleto? não somente a
agressão do sistema com suas ameaças, suas perseguições, seus assassinatos mas
a indiferença dos que optam por ignorá-lo. Constatação cruel que irá reaparecer
em outro poema, respondendo ao de Pablo Neruda: En que idioma cae la lluvia / sobre ciudades dolorosas?: quatro versos
breves, surpreendentes no seu poder de síntese e na força com que fazem
constar essa realidade do sangue
derramado que, para aqueles que tem interesses a preservar, é como se não
existisse: No ígneo idioma / do sangue /
vertido até a fronteira / da cúmplice
indiferença.
Talvez
(ou certamente) José Túlio Barbosa não responda, com exatidão, as questões
nerudianas feitas, quem sabe, também, para ficarem sem respostas. E esses
versos que entrelaça aos versos de El
libro de las preguntas ele os constrói com a emoção que habita na sua alma de poeta e com as
certezas de quem sabe do mundo e de suas penas.

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