domingo, 28 de novembro de 2004

De leis e emoções


            Atenea, publicação  semestral, editada pela Universidade de Concepción, foi fundada em 1924 e no seu número 489, homenageia  Pablo Neruda com trabalhos de Alain Sicard, da Universidade de Poitiers (França), que possui um dos mais respeitados centros de pesquisa latino-americana da Europa, de Hernán Loyola organizador das Obras Completas do Poeta, publicadas em Barcelona e dos professores e pesquisadores chilenos, Dario Oses, Enrique Robertson e Mario Rodriguez F. Trabalhos que analisam a temática da luz e da sombra, as duas poéticas que constituem a poesia nerudiana, sua articulação e inseparabilidade;  a noção da morte que o Poeta introduz nos seus versos como uma entidade que, deliberadamente, evita nomear; a imagem da amante invisível, a sua relação com os livros, a amizade com Picasso, as conexões possíveis entre Residencia en la tierra e o Canto General. A partir de textos precisos do Poeta, de fatos e documentos ainda não estudados, fazem parte desse mar de palavras, alçado neste ano, procurando aproximar-se da obra do Poeta com o rigor indagativo que a sua obra merece.



            Na sua  segunda parte, Atenea oferece testemunhos de amigos que o mostram em momentos originados de uma convivência do cotidiano e, ainda, reproduz a conversa do Poeta com a jornalista Sara Vial, em março de 1965, um pouco antes de ir à Inglaterra onde receberia o título de Doutor Honoris Causa na Universidade de Oxford. Entrevista publicada em La Nación, no dia 28, reproduzida no livro Neruda em Valparaíso, em 1983 e agora, outra vez, vinte anos passados. Nela,  Neruda fala sobre Valparaíso, cidade que o encanta a ponto de dizer que é a melhor obra de Deus o que, na verdade é pouco em relação às palavras que lhe dedica no seu livro de memórias. E sobre essa casa que ele comprou a meio construir e foi terminando com paciência e com tempo e que se tornou cenário para esses objetos de sonhos revisitados que lhe foram tão importantes possuir como o cavalo da selaria de Temuco. Menciona o novo livro que irá ser publicado nesse ano no Chile, Arte de pájaros e, indignado, a carta em que o Inspetor de Obras Municipais determina que mande podar as árvores de sua casa ou extirpá-las de vez para evitar que novas reclamações dos vizinhos sejam feitas e para cumprir com as leis de Construção e Urbanismo. O Poeta pergunta, perguntando-se, como responder a essa carta – permitindo que destruam  as suas árvores, sua casa, as rochas?  – e, esperançoso, admite que a municipalidade, ao não poder enfrentar o mar e exterminá-lo, pelo menos, terá que deixá-lo à margem de seus regulamentos.

            Se as árvores de suas casas continuaram crescendo, a revelia dos vizinhos implicantes e das leis municipais ou por essas leis destruídas, poucos são os que podem testemunhar. Mas, nas palavras que deixou escritas, elas se erguem  perenes na descrição do bosque chileno na primeira página de Confieso que he vivido  e nas odes à araucária e à acácia mimosa.

 “Oda a la araucária araucana” (in Nuevas odas elementales) é um longo louvor à árvore (dura, bela, torre do Chile, pavilhão do inverno, nave de aroma, coroa verde, pura mãe dos espaços, lâmpada do frio) e a seus frutos (farinha, pão silvestre / do indomável / Araucano, fruta, o pão derradeiro da pátria, pão de valentes, / alimento / escondido / na molhada aurora / da pátria). Porque ela presenciou as guerras que dizimaram os índios Araucanos (A cruz, / a espada ,/ a fome). Porque dela o Poeta deseja a resistência contra os males, a proteção para o seu sentir, para aqueles que ama, para os ombros dos valentes.

            Em “Oda al aromo” (in Tercer libro de las odas), seus versos dizem primeiro da emoção ao perceber uma montanha / de luz amarela, / uma torre florida e o perfume que se espalha: a acácia mimosa, construída de mel e de perfume e em que ele vê a catedral do pólen ,/ a profunda / cidade/das abelhas. E perde a voz diante da árvore cuja presença é feita da cor: amarela / como nenhuma coisa pode ser ,/ nem o canário, nem o ouro ,/ nem a pele do limão, nem a gesta e da essência que exala: explosão do perfume.  Então, ele a proclama colméia do mundo e assumindo uma voz coletiva, “nós”, expressa  o desejo de ser vespa ou besouro silvestre para se fundir na ramagem amarela até ser somente aroma.

 

 

           

domingo, 21 de novembro de 2004

Achados e perdidos


            É um olheiro atento de seu tempo que registra breves cenas da urbe: transeuntes que falam sozinhos, menina chorando com seu desconsolo, encontros cotidianos casuais que deixam de acontecer, adolescente na espera inquieta de alguém, trechos de diálogos mal e mal escutados entre um ruído e outro da cidade. Também, muitas vezes, os mutáveis contornos da cidade sob a chuva e o vento e a paisagem cujas transformações o passar do tempo vai instaurando.

            Porto Alegre se desenha no esboço das lembranças e nos traços lavrados pelo presente. Em “O arqueólogo do futuro”, Liberato Vieira da Cunha historia esses dois tempos de um mundo que existiu e se foi perdendo no atropelo das mudanças. E são elas que o privam de perceber a ronda das estações: no florescer do flamboyant, o vermelho indicando o verão; no cair das folhas da paineira, os galhos nus anunciam o outono; no rio, as águas crispadas dizem do inverno; nas flores do jacarandá, a chegada da primavera. E, também, lhe tiram um cenário feito da imensidão do céu, na qual se inscreviam os telhados, os morros, as enseadas do rio, os navios e as gasolinas. Sem que se desse conta, foi sendo sitiado pela barreira de cimento e aço e não mais a visão do rio, não mais a luz do norte. Veio-lhe, então, o medo de que, irreversivelmente, essa barreira se expandindo sempre, roubaria os  últimos territórios do céu e de verde, expulsando os derradeiros pássaros, banindo, por descartáveis, as flores e a brisa e a grama que certa manhã uma deusa pisou descalça. Também, outro melancólico presságio a vislumbrar um futuro mais remoto em que o arqueólogo, ao encontrar nesse desfiladeiro entre muralhas, cantigas de roda e cadeiras na calçada e acordes de serenata, tudo ignore por não atinar com a sua serventia.
 

            Nessa crônica, como nas demais que fazem parte de A Companhia da solidão (Porto Alegre, L&PM, 2000), o cronista gaúcho erige o lirismo das perdas. Perda de uma cidade em que muitas casas se esboroam para dar lugar ao moderno, aos modernosos caixotes de aço e vidro [...], em que a obediência aos preceitos alienígenas do bem viver prescreve a chegada do leiteiro, do verdureiro, do padeiro à porta da casa e não concede lugar para o afiador de faca a oferecer seus serviços com o apito de melodiosa escala de sons e, tampouco, ao vendedor de puxa-puxa que anuncia o produto com o toque de corneta.

            Mas, no destruir/construir do novo itinerário urbano, o cronista erige, igualmente, a lírica dos achados. Quando se depara com um motorista de táxi que, trabalhando quatorze horas por dia, decide que os loucos do trânsito não o irão contaminar;  quando é atendido por uma jovem funcionária dos correios que atende a todos da longa fila, minuciosa e sorridente; quando é tranquilizado pelo ascensorista que enfrenta a súbita falta de luz no elevador com um monólogo de conversador nato, bem humorado, fluente, a própria voz da tranquilidade. São anjos da guarda a postos em meio ao caos de uma capital sem alma, os define na crônica “Os anjos do caos”. Uma capital que, todavia, possui o oásis de ruas tranquilas e arborizadas que ainda resistem. Numa delas, ao estacionar o carro na frente de uma casa pequena, na sua despojada simplicidade de porta e janela , ele conta em “Travessia das idades” estar diante de um momento de ternura: a mãe, ensinando o filho a andar de triciclo, mostra como por os pés nos pedais, como segurar o guidom, como desviar os buracos da calçada e o cachorro da vizinha. Sucedem-se as idas e vindas entre a mãe e a esquina da rua até esse instante em que o menino travou, rindo do susto que tinha pregado num tico-tico distraído e disse: -Mãe, como é bom ser criança. Liberato Vieira da Cunha, segue o seu caminho pensando: que algum dia aquele menino vai crescer, vai morar em avenidas ruidosas e sem árvores, vai perder seu riso e o brilho do seu olhar, conhecerá a aflição e o medo, será um animal urbano cronometrado, feito eu, feito todos nós. E lhe deseja esse grande bem: o de poder reviver um momento feliz do passado e nele se aninhar quando a vida se mostrar adversa ou triste.

domingo, 14 de novembro de 2004

As queimadas

            Em 2001, a Academia de Trovas do Rio Grande do Norte promoveu um concurso cujo tema “Queimada” atraiu mais de duzentos trovadores de vários estados brasileiros. Além dos vinte e sete trovadores do Rio Grande do Norte, vinte e nove, principalmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul também foram selecionados. Suas trovas foram publicadas pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA)  e, em 2002, pelo Centro de Recursos Ambientais da Bahia.


            Submissas ao heptassílabo e às rimas alternadas ( entre as rimas ricas, também  as que não eludem a facilidade das palavras terminadas em ão) e ao tema, repetem, o que é inevitável, certos vocábulos (carvão, fogo, vida, cinzas, morte).

            Mas, nessa grande qualidade que é saber condensar em  quatro versos o que é desejado expressar, se mostram essas trovas, na sua simplicidade, de uma grande força poética e inigualável poder de comunicação . Porque, em seus pequenos versos, a síntese parece ser a medida exata para dizer o imprescindível sobre uma prática inegavelmente condenável no  que significa de destruição. Em muitas delas, a queimada se define como guerra, crime hediondo, angústia e morte, jogo insano, devastação, inclemente, criminosa, criminosa ação, criminosa violência macabra festa, devastação, praga desgraçada. Evidente, também, constar o efeito dessas ações: atroz e daninho,  vidas ceifadas, extinção da vida, cinza de uma floresta, terra ferida, terras devastadas, terra despovoada,  migração e morte de animais, erosão.   E o móvel dos atos predatórios -  a desonestidade, a ignorância, a ambição desmedida – que, certamente, poderiam ser neutralizados por sanções (ou por pesadas sanções).

            Para combater a queimada os trovadores têm, apenas, a palavra e a alçam com esperança. Pedem aos agricultores e a todos aqueles que se sintam concernidos, que nunca mais façam queimadas para não destruir a própria vida  na destruição da flora (planta florida, mata plantada , árvores tão bem formadas, matas sagradas) e da fauna cujo habitat desaparece nas cinzas após a macabra festa do fogo

            Um desequilíbrio inquestionável cujo testemunho se enlaça na emoção diante do que é presenciado: a juriti, desolada ,/ chora a falta de seu ninho..., um sabiá solitário / chora a morte da floresta...; e se enraíza no próprio sentimento: Cena triste em mim gravada, / quando a mamãe tico-tico / voltou, depois da queimada, / trazendo um verme no bico.

            Pedir, porém não parece ser suficiente. Alfredo de Castro, de Minas Gerais, então, exclama esse óbvio:  Sem uma luta acirrada, sem punição com firmeza /  não se põe fim à queimada / da nossa mãe natureza!.

domingo, 7 de novembro de 2004

Outras respostas


Por qué en las épocas oscuras
Se escribe com tinta invisible?
Pablo Neruda 

            Esta  sucessão de interrogações foi ditada enquanto o poeta era levado a passear de carro pelos maravilhosos campos franceses, na véspera de regressar para morrer em Santiago. Assim inicia seu artigo “Qué pregunta el libro de las preguntas?” (El Mercúrio, Santiago, 9/7/2004) Luiz Vargas Saavedra. E, antes de se deter em algumas das perguntas que formam o Libro de las Preguntas, diz que Pablo Neruda não as quis organizar por tema e elas se oferecem no livro pela ordem em que foram criadas. Na verdade, ao longo de sua trajetória poética, Pablo Neruda nunca deixou  de fazer perguntas. Em El libro de las preguntas suas indagações sempre são formuladas em estrofes de dois versos octassílabos e formam um conjunto que, no seu profundo lirismo, parecem valer apenas por si. No entanto, instigam  não poucas respostas.

            Em 1991, para comemorar os vinte  anos de atribuição do Prêmio Nobel a Pablo Neruda, as Academias Brasileira e Brasiliense de Letras e a Embaixada do Chile no Brasil, realizaram um concurso de poesia para homenagear o Poeta. José Túlio Barbosa, gaúcho de Bagé, autor de Rastro dos ventos (1989) e Corpo Sentido (1992), atendeu ao chamado, convicto de que uma homenagem a Pablo Neruda, exigia fidelidade cúmplice ao homem, ao poeta e ao político, sobretudo pela apaixonante e apaixonada personalidade em que fundiu, coerentemente, todas as suas facetas.  Em dez noites, ele escreveu, então,Vinte respostas a  Neruda ( segundo lugar entre mais de quatrocentas obras inscritas). Mas esse  diálogo não lhe foi suficiente. Retomou o trabalho e ao vinte poemas acrescentou outros quarenta. Todos formam o volume Manhãs marinhas. Tributo a Neruda,  publicado pelo Instituto Estadual do Livro e pela Tchê! de Porto Alegre em 1994  e, quatro anos depois, em edição do autor.           

            Nas palavras que antecedem os poemas, José Túlio Barbosa diz não ser possível dar respostas às indagações do Poeta chileno; também, de seu encantamento por ter ousado como que tocar a imensidão de Pablo Neruda. Ao escolher, porém, alguns de seus poemas -  motes perfeitos  que atravessam fronteiras lingüísticas e geográficas – cria versos que instauram um lirismo no qual se amalgama o sentir de um homem e o sentir de um homem do Continente. O de um homem   na solidão de quem não expõe alegrias ou tristezas, que se angustia diante da vida  cristalizada num presente vazio (Dormita a solidão em seus cais / à espreita / desde o último aceno / na névoa do horizonte / desde a primeira indiferença / que construiu a redoma / nos olhos de sal / dos que se foram / e nos deixaram / abandonados);  que é submetido à dolorosa sina do existir (pesa a tocaia dos sonhos / assassinados em sorte vã)  É o sofrimento de um homem do Continente que testemunha sobre o   tempo de obscurantismo em que vive ( um, entre os muitos  tempos de obscurantismo) ao aceitar o repto de Pablo Neruda: Por qué en las épocas oscuras / se escribe con tinta invisible?, dizendo do sangue vertido à luz  da tarde; ou, em outros poemas, de mãos cúmplices e o cobre  das armas brutas, de gritos que incendeiam as noite,  de cadáveres surpreendidos / sob a lápide / de um silêncio complacente, de esqueletos descobertos / sob o gelo as calçadas. Expressando, ao responder Y si el alma se me cayó  / por qué me sigue el esqueleto?  não somente a agressão do sistema com suas ameaças, suas perseguições, seus assassinatos mas a indiferença dos que optam por ignorá-lo. Constatação cruel que irá reaparecer em outro poema, respondendo ao de Pablo Neruda: En que idioma cae la lluvia / sobre ciudades dolorosas?:  quatro versos breves, surpreendentes no seu poder de síntese e na força com que fazem constar  essa realidade do sangue derramado que, para aqueles que tem interesses a preservar, é como se não existisse: No ígneo idioma / do sangue / vertido até a fronteira / da cúmplice indiferença.

            Talvez (ou certamente) José Túlio Barbosa não responda, com exatidão, as questões nerudianas feitas, quem sabe, também, para ficarem sem respostas. E esses versos que  entrelaça aos versos de El libro de las preguntas ele os constrói com a emoção  que habita na sua alma de poeta e com as certezas de quem sabe do mundo e de suas penas.

Outras respostas


Por qué en las épocas oscuras
Se escribe com tinta invisible?
Pablo Neruda 

            Esta  sucessão de interrogações foi ditada enquanto o poeta era levado a passear de carro pelos maravilhosos campos franceses, na véspera de regressar para morrer em Santiago. Assim inicia seu artigo “Qué pregunta el libro de las preguntas?” (El Mercúrio, Santiago, 9/7/2004) Luiz Vargas Saavedra. E, antes de se deter em algumas das perguntas que formam o Libro de las Preguntas, diz que Pablo Neruda não as quis organizar por tema e elas se oferecem no livro pela ordem em que foram criadas. Na verdade, ao longo de sua trajetória poética, Pablo Neruda nunca deixou  de fazer perguntas. Em El libro de las preguntas suas indagações sempre são formuladas em estrofes de dois versos octassílabos e formam um conjunto que, no seu profundo lirismo, parecem valer apenas por si. No entanto, instigam  não poucas respostas.

            Em 1991, para comemorar os vinte  anos de atribuição do Prêmio Nobel a Pablo Neruda, as Academias Brasileira e Brasiliense de Letras e a Embaixada do Chile no Brasil, realizaram um concurso de poesia para homenagear o Poeta. José Túlio Barbosa, gaúcho de Bagé, autor de Rastro dos ventos (1989) e Corpo Sentido (1992), atendeu ao chamado, convicto de que uma homenagem a Pablo Neruda, exigia fidelidade cúmplice ao homem, ao poeta e ao político, sobretudo pela apaixonante e apaixonada personalidade em que fundiu, coerentemente, todas as suas facetas.  Em dez noites, ele escreveu, então,Vinte respostas a  Neruda ( segundo lugar entre mais de quatrocentas obras inscritas). Mas esse  diálogo não lhe foi suficiente. Retomou o trabalho e ao vinte poemas acrescentou outros quarenta. Todos formam o volume Manhãs marinhas. Tributo a Neruda,  publicado pelo Instituto Estadual do Livro e pela Tchê! de Porto Alegre em 1994  e, quatro anos depois, em edição do autor.           

            Nas palavras que antecedem os poemas, José Túlio Barbosa diz não ser possível dar respostas às indagações do Poeta chileno; também, de seu encantamento por ter ousado como que tocar a imensidão de Pablo Neruda. Ao escolher, porém, alguns de seus poemas -  motes perfeitos  que atravessam fronteiras lingüísticas e geográficas – cria versos que instauram um lirismo no qual se amalgama o sentir de um homem e o sentir de um homem do Continente. O de um homem   na solidão de quem não expõe alegrias ou tristezas, que se angustia diante da vida  cristalizada num presente vazio (Dormita a solidão em seus cais / à espreita / desde o último aceno / na névoa do horizonte / desde a primeira indiferença / que construiu a redoma / nos olhos de sal / dos que se foram / e nos deixaram / abandonados);  que é submetido à dolorosa sina do existir (pesa a tocaia dos sonhos / assassinados em sorte vã)  É o sofrimento de um homem do Continente que testemunha sobre o   tempo de obscurantismo em que vive ( um, entre os muitos  tempos de obscurantismo) ao aceitar o repto de Pablo Neruda: Por qué en las épocas oscuras / se escribe con tinta invisible?, dizendo do sangue vertido à luz  da tarde; ou, em outros poemas, de mãos cúmplices e o cobre  das armas brutas, de gritos que incendeiam as noite,  de cadáveres surpreendidos / sob a lápide / de um silêncio complacente, de esqueletos descobertos / sob o gelo as calçadas. Expressando, ao responder Y si el alma se me cayó  / por qué me sigue el esqueleto?  não somente a agressão do sistema com suas ameaças, suas perseguições, seus assassinatos mas a indiferença dos que optam por ignorá-lo. Constatação cruel que irá reaparecer em outro poema, respondendo ao de Pablo Neruda: En que idioma cae la lluvia / sobre ciudades dolorosas?:  quatro versos breves, surpreendentes no seu poder de síntese e na força com que fazem constar  essa realidade do sangue derramado que, para aqueles que tem interesses a preservar, é como se não existisse: No ígneo idioma / do sangue / vertido até a fronteira / da cúmplice indiferença.

            Talvez (ou certamente) José Túlio Barbosa não responda, com exatidão, as questões nerudianas feitas, quem sabe, também, para ficarem sem respostas. E esses versos que  entrelaça aos versos de El libro de las preguntas ele os constrói com a emoção  que habita na sua alma de poeta e com as certezas de quem sabe do mundo e de suas penas.