José
Antonio Brenner, nascido em Santa Maria, estudou passo a passo, através de
valiosa documentação, aspectos ainda não conhecidos ou baseados em equívocos ou
contradições, o itinerário de uma das famílias que deixou a Alemanha no segundo
ano do início da corrente migratória para o Brasil. De seu minucioso trabalho
resultou Imigração alemã: a saga dos Niederauer, publicado pela
Universidade de Santa Maria, em 1995. Uma obra de raro valor, pelos dados
oferecidos que, sem dúvida, serão de grande valia para continuar as pesquisas
sobre o assunto, cuja importância para a História do Rio Grande do Sul e de sua
formação étnica e cultural é inquestionável.
Nos primeiros
de seus vinte e quatro capítulos, José Antonio Brenner se detém na região de onde
se originam os colonos, nos portos de origem, nas embarcações em que viajavam;
na chegada ao Brasil e na espera, em precárias condições, alojados nos armazéns
construídos, na baía de Guanabara, para industrializar o óleo das baleias e que
se encontravam abandonados, até que fossem levados a seu destino, no Rio Grande
do Sul.
No
caso da família Niederauer, a viagem se deu a bordo do “Carolina” que partiu do
Rio de Janeiro, provavelmente em 15 de dezembro de 1825, levando duzentas e
oitenta e cinco pessoas. No cabeçalho da relação de passageiros embarcados,
constava serem colonos alemães que, por
ordem de sua Majestade o Imperador seguiam viagem a bordo do bergantim
“Carolina”, do Rio de Janeiro para Porto Alegre, onde seriam entregues ao
Presidente da Província. Na verdade, o que sua Majestade o Imperador do
Brasil lhes propiciou foi uma passagem pelo inferno.
Na
viagem, que durou mais ou menos um mês, os colonos foram submetidos a um trato
desumano pelo assim chamado capitão do barco que não era mais do que um mestre de embarcação a soldo do proprietário. Seu nome não
consta dos documentos examinados, sim a sua imperícia (ou outra razão) que
fazia com que encalhasse o barco em bancos de areia, prolongando uma viagem
feita sob o signo da fome. Porque, talvez, diz José Antonio Brenner, para
vender os gêneros alimentícios destinados aos colonos, em Porto Alegre, visando
um bom lucro devido à provável escassez de produtos, originada das ações
militares na Campanha Cisplatina, ele os sonegava. Disso resultou, entre os
passageiros do barco, um tal estado de inanição e de doenças que provocou a
morte de, no mínimo, três mulheres e quinze crianças.
Como
testemunho do drama terrível vivido na viagem, a carta dirigida ao Governo
Imperial: redigida por um anônimo colono,
com letra insegura, descreve um quadro dantesco de submissão, fome, desespero,
choro e morte [...]. Tem a data de 4 de janeiro de 1826, quarenta nomes a
subscrevem e é antecedida de uma humilde
expressão: Queixa submissa e mui
obediente dos colonos em viagem do
Rio de Janeiro a Porto Alegre. Começa por explicar que a extrema necessidade em que se encontram,
os obriga a pedir socorro. Relata que nos quatorze dias em que permaneceram no
Rio de Janeiro, foram alimentados satisfatoriamente, mas que, desde que
embarcados no “Carolina”, os víveres foram bastante reduzidos. Do feijão e
arroz e biscoitos que inicialmente recebiam, passaram a receber somente
farinha. E a promessa de que, chegados ao porto do Rio Grande, receberiam pão,
não foi cumprida sob a alegação de que não havia na cidade o que foi
desmentido, porque os marinheiros levaram para bordo um saco de pães e cachaça
que vendiam pelo dobro do preço. E, com a expressão de medo de que nem os
parcos víveres possam durar até o término da viagem, a desesperada informação: De manhã cedo nossas crianças que ainda
estão vivas choram de fome pois, até
agora, nenhuma vez foram saciadas. Muitas
crianças e pessoas idosas, não
acostumadas a tais privações, já estão doentes e serão, em breve, jogadas na
água. E na convicção de que tal tratamento não representa a vontade do
Imperador, esperam confiantes que a situação miserável seja modificada e
assinam o documento, em nome de todos, firmando-se do Superior Governo
Imperial, os mui humildes e submissos
colonos.
Tem
razão José Antonio Brenner ao afirmar que a
queixa submissa ainda hoje nos causa forte emoção. Sobretudo, se for
considerado que aqueles que a escreveram estavam sob a responsabilidade de um
Imperador em quem, ingenuamente, confiavam. E que, muito provavelmente, nunca chegou
a receber em suas mãos a desesperada
denúncia e pungente pedido de socorro.

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