O
título do poema anuncia uma conversa, mas, na verdade, as palavras pertencem,
apenas, ao emissor da mensagem. Cinco estrofes, quartetos de rimas perfeitas,
inscritas num universo gauchesco de fronteira para se aproximar, a seu modo, de
um tema universal: o nascimento de Cristo. No primeiro verso, o possessivo meu
(meu Cristo) indica uma relação
afetiva que se amplia no emprego de um inusual diminutivo, igualmente precedido
do possessivo de primeira pessoa (meu
Jesus-Cristinho). E permite esse ir chegando (que a expressão se não levar a mal, advoga), após longa
jornada (que o adjetivo basteriado, classificando o cavalo, denuncia) e
desmontar (implícito no verbo desencilho ), dando por assente a
permissão para um ato já consumado.
O
segundo quarteto, repete a expressão afetiva, antecedendo-a, não mais, do
cumprimento Buenas (simplificação do
espanhol platino para “buenas tardes”, “buenas noches”), mas de um
agradecimento, gracias (igualmente um
termo espanhol, “obrigado”) pela acolhida na estrebaria. Palavra que remete a
um espaço e a um momento determinado, o nascimento de Cristo, já anunciado na
menção da palavra Estrela, grafada
com letra maiúscula para reafirmar a sua condição de única, de guia e
antecedida, também, (como estrebaria) do pronome de terceira pessoa a revelar
um possuidor (da Estrela e da estrebaria) inegável que irá justificar o
diminutivo Jesus-Cristinho, pois é ao
Cristo recém nascido que as palavras se dirigem. Nas três estrofes que seguem,
subjacentes, as figuras dos Reis Magos quando explica porque não oferta
incenso, nem ouro, só a mirra. Nega-se a louvar o menino (Não vim, Jesús-Cristinho pra incensá-lo), amparando-se na sua rústica e convicta
altivez e se iguala ao cambará de cerno duro (nas três palavras, a
expressão de resistência, de invencibilidade) e nas suas convicções e nas suas
crenças: acredita no maléfico da vida e endeusa as mulheres e o cavalo. Se não
lhe dá ouro é porque nada possui, chega de mãos
vazias e só tem de seu, pessuelos
magros, uma lasca de charque, avios
de mate para suprir as necessidades e uma garrafa de cachaça como remédio,
caso seja preciso, para o mal de amor. A mirra, sim, lhe traz. Feita de sua
humanidade – pecados ou sina – que se ilumina no sofrimento de saber, de adivinhar a terrível morte que ao
menino está adjudicada para saldar culpas alheias. Parte das quais –
entendendo-se por homem marcado pelo pecado – ele assume ao compreender que
essa morte será, também, por seus diabos, seus pecados.
Remetendo
à verdade bíblica, ainda que limitado no possessivo de primeira pessoa, meus diabos, o último verso sensibiliza
pela imensidade do drama (a morte de um inocente) que não deixa de ser
lamentado pelos cristãos. Porém, o que, no poema, se faz profundamente tocante
é a ingênua, espontânea, solidariedade expressa no segundo quarteto, posso ajudá-lo, já que está sozinho, relacionada
com o verso anterior, embora apeie com estas mãos vazias a significar
que ninguém é tão pobre que nada possa oferecer. Seja, apenas, esse préstimo
para minorar a solidão, sentimento inerente à condição dos homens e do qual
Jesús Cristo, deus feito homem, e homem pobre, não foi poupado.
Por
esse inesperado trato do tema religioso, pelo inspirado das determinações de
tempo e espaço e pela qualidade do ritmo, “Charla de Natal”, de Apparicio Silva
Rillo, publicado em 19 de dezembro de 1981 no “Letras e Livros”, do Correio
do Povo de Porto Alegre, se constitui , neste enraizar-se no linguajar
campeiro do Rio Grande do Sul e neste perfil do gaúcho feito de altivez
desmesurada, de crenças e descrenças e de um parco possuir, como tantas vezes,
um momento privilegiado da sua produção poética.
Basteriado: o animal que sofreu escoriações
causadas pelo atrito do lombilho com a pele .No poema, usado na forma próxima
do espanhol, bastereado e não da forma portuguesa basteirado, da
qual é uma variante. Boteja: ainda que a palavra conste como botelha
no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda, com
o significado de garrafa e tendo como origem, a palavra francesa bouteille,
conforme consta no poema é a grafia de botella, termo espanhol que os
platinos pronunciam com o som de jota português. Está registrado no Vocabulário de Regionalismo do Rio Grande do Sul, de Zeno e Rui Cardoso Nunes e não
no Vocabulário Sul Riograndense, editado pela Globo de Porto Alegre
o que indica um uso menos frequente ou mais recente.
Canha: grafado com nh e com o significado
de cachaça, está registrado no Dicionário
da Língua Portuguesa,
de Aurélio Buarque de Holanda como oriundo do espanhol platino e como
regionalismo do Rio Grande do Sul.
Charla:
que no Aurélio consta como oriundo do
italiano, significando tagarelice, é registrado pelos irmãos Cardoso
Nunes como conversa, conforme é o uso dos platinos.
China:
nos três dicionários já referidos,
aparece com várias conotações, entre elas, a de mulher descendente de índios,
mulher morena e mulher de vida fácil. No poema é usado, na acepção (além dessas
referidas) que lhe conferem os platinos: mulher, no sentido carinhoso; mulher
amada. (Diccionario
del lenguaje campesino rioplatense, de Juan Carlos Guarnieri e Diccionario
de Voces y expresiones argentinas, de Felix Coluccio).
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