Entre 1934 e
1955, Mario Quintana traduziu cerca de trinta obras e, possivelmente, outras
mais como contos de Edgar Wallace, usando pseudônimo e aquelas em que – o que
parece ter sido usual na época omitir o nome do tradutor – não aparece nem o
seu nome e nem algum pseudônimo. Tinha vinte e oito anos quando traduziu, pela
primeira vez, para a Editora Globo, chamado por Érico Veríssimo que lá
trabalhava e que se lembrou que era o único, entre os seus conhecidos, a saber
francês, numa época em que o inglês começara a pontificar no Brasil como o
idioma preferido. Em Mario Quintana, sexto volume de “Autores gaúchos”,
do Instituto Estadual do Livro de Porto Alegre, nas linhas dedicadas a sua
biografia, ele conta que aprendeu o francês em casa onde era falado sem
pretensões esnobes, mas para que não entendessem o que falava o pai, um conspirador da Revolução de 23, ou para
que estranhos não tomassem conhecimento de assuntos que só diziam respeito à
família. Mais tarde, no Colégio Militar, em Porto Alegre, só estudava História,
Português e Francês porque as demais disciplinas não o interessavam. Depois,
foram os livros de Literatura francesa que, no início do século, alimentavam os
intelectuais brasileiros e que deixaram inequívoca marca na sua produção
literária como o atesta o trabalho de Zilia Mara Pastorelli Scarpari, “Presença
da Literatura Francesa” (Cadernos Porto & Vírgula, 14 Porto Alegre,
Eu, 1997). Para a Editora Globo, traduziu obras de Guy de Maupassant, André
Maurois, Madame de La Fayette, Prosper Merimée, Voltaire e Marcel Proust. O
primeiro volume de A la recherche du temps perdu foi publicado em 1948
quando Mario Quintana já tinha uma assaz longa experiência. No entanto, não lhe
resultou um trabalho fácil, como o comprovam suas palavras muitos anos depois,
no texto publicado sob a rubrica “Do Caderno H”, no “Caderno de Sábado” (Correio
do Povo de Porto Alegre, do dia 23 de agosto de 1980). Sem título, se
inicia com a frase O tema é a tradução e
seus problemas e entre os que enumera, já conhecidos, como achar que
traduzir do espanhol é apenas copiar; ou as “arrumações” dos revisores ou a,
infelizmente, irreparável invasão dos sucessos alienígenas de enorme consumo e rápido desaparecimento,
dando origem à mão-de-obra barata. Primeiro, comenta sobre a forma de
remuneração do tradutor: por página ou com ordenado mensal fixo? Esquece de
falar sobre as vantagens e desvantagens de um ordenado mensal para o tradutor e
se estende no perigo que pode resultar de um trabalho remunerado por página
quando a pressa para torná-lo rentável conduz a um resultado deficiente. Como
exemplo de uma tradução, a requerer tempo, cita André Gide e Marcel Proust. E
lembra que ao traduzir A la recherche du temps perdu, seu
trabalho mensal exigia um número determinado de páginas, cujo mínimo ele nunca
atingia, diante das dificuldades do texto proustiano e das quais ressalta e
extensão das frases: Tem ele períodos de
quadra e meia. Era preciso dar-lhes o equivalente
em português, sem que a complexidade do texto interferisse em sua clareza.
Ficava, às vezes, tão abafado que saía na quadra, ruminando as suas longas
frases, mas ao ar livre. Mais tarde, em 1984, ao ser entrevistado para os
“Autores Gaúchos”, outra vez menciona essa dificuldade com as longas frases de
Marcel Proust: Uma barbaridade traduzir
aqueles períodos que dão volta na
esquina e não se sabe onde vão parar. Dificuldade que, certamente, venceu,
pois o cotejo de seu texto com o de Proust testemunha essa qualidade que leva
Maria da Glória Bordini (“Mario Quintana tradutor”, “Caderno de Sábado” do Correio
do Povo do dia 31 de julho de 1976) a considerar que chegou a verter Proust tão quintanarmente e ao mesmo
tempo tão proustianamente que não é
fácil distinguir o que é de um e de outro nos textos. E que também leva a
Beatriz Viégas-Faria (“O tradutor”, Cadernos Porto & Vírgula, 14) a
se referir ao dito popular Qui du cul
d’un chien s’amoureuse / il lui paraît une rose que Mario Quintana, respeitando a rima, a
analogia e o sentido, traduz para Quem
suspira ante o rabo de um cão / Só vê nele uma rosa em botão.
Na verdade,
ainda que tenha enveredado, casualmente, no ofício de traduzir, Mario Quintana
o exerceu – como acontecia com os demais do grupo que trabalhavam para a
Editora Globo – com muito cuidado, convicto da dignidade que tal profissão deve
ter e do senso de responsabilidade que deve guiar o verdadeiro tradutor. E se
pensa nos grandes autores, como Prosper Merimée, Honoré de Balzac, Voltaire e
Marcel Proust, não pode se impedir de considerar que, traduzi-los, não é tarefa
para tradutores bisonhos.

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