Escrevera
versos satíricos e prosas líricas ou sonetos de amores fictícios, publicados em
periódicos de estudantes e uns poemas que jamais lhe pareceram,
verdadeiramente, seus. Depois, os primeiros contos, quando ainda era estudante
de direito num curso que mal freqüentava. O suficiente para fazê-lo tomar
consciência de como escrevia e se dar conta de que os advérbios de modo
terminados em mente são um vício empobrecedor. Gabriel García Márquez, no
seu livro de memórias Vivir para
contarla (Sudamericana, 2002), lembra que, então, passou a eliminá-los cada
vez que surgiam e que essa obsessão o
levava a encontrar formas mais ricas e
expressivas e acrescentando que, há muito tempo, nos seus livros, não
aparece nenhum advérbio terminado em mente. O que não aconteceu nos seus
primeiros textos. Nas críticas de cinema que fez em 1954 e 1955, para El Espectador de Bogotá, eles, ainda,
estão presentes, assim como no seu primeiro romance La Hojarasca, publicado em maio de 1955. Segundo Dasso Saldívar, na
sua biografia de Gabriel Garcia Márquez, El
viaje a la semilla (Alfaguara, 1997), o primeiro comentário sobre cinema que
escreveu foi publicado no dia 27 de fevereiro de 1954. Está entre outros textos
a ele atribuídos, compilados por Jacques Gilard e fazem parte do livro Entre Cachacos (Bruguera, 1982) junto
com os demais publicados no El Espectador, durante os dezoito meses em
que ali trabalhou. Foram mais de trinta notas para a coluna “Estrenos de la
semana”, escritas no rápido ritmo que a redação do jornal exigia, a
impossibilitar a busca de formas inusuais, a restringir os recursos
estilísticos a um ou outro pleonasmo, a uma ou outra silepse, a um ou outro
inesperado adjetivo e a permitir a abundância – bem uns sessenta – dos
advérbios em mente. Poucas vezes, se apresentam repetidos ( absolutamente, especialmente, honestamente).
Na sua maioria são formados de adjetivos prosaicos: ativamente, claramente, completamente, essencialmente, indefinidamente,
fortemente. Mas, entre eles,
sobressaem os que denotam a emoção provocada pelo filme: o desenlace dolorosamente autêntico de On the waterfront, o momento espantosamente melodramático de The Barefoot Comtessa, o longo e belo monólogo de saxofone
magistralmente interpretado, de Cronaca
de un amore.
E
nesse ano de 1955 foi publicado La
Hojarasca, cuja redação datava de muitos anos antes. Segundo Dasso
Saldívar, o escrevera em Cartagena onde era responsável pela coluna “Punto y
Aparte” de El Universal e onde
tentava fazer o curso de Direito para contentar o seu pai. Mais tarde, em
Barranquilla, nos começos de 1950 o reescrevera, após muitas revisões. Mas,
era, ainda no tempo dos advérbios. Também cerca de sessenta deles, aparecem nas
cento e trinta páginas do romance, na sua edição da Sudamericana, de 1973.
Muitos, são aqueles comuns que apenas reforçam o sentido de um verbo (calou instantaneamente, acreditava realmente, foi diretamente) e de um adjetivo (completamente diabólica, deliberadamente ilógico, inteiramente transtornada a expressão). Ou os que indicam tempo (repentinamente, subitamente) e modo (simplesmente, solidamente). Inclusive, se repetem duas ou mais vezes: completamente, diretamente, inteiramente,
intempestivamente, precisamente,
realmente, repentinamente, subitamente, suficientemente, violentamente. Ou (o que ocorre uma só vez), estão presentes numa
única frase: “Sei que vem diretamente na
minha direção e trato de girar rapidamente sobre meus calcanhares, apoiado na
bengala, mas me falha a perna doente e vou para a frente, certo de que vou cair
e quebrar a cara contra a beira do ataúde, quando tropeço com seu braço e me
aferro solidamente nele e ouço sua voz de pacífica estupidez, dizendo: Não se
preocupe coronel. Eu lhe asseguro que nada irá acontecer. Porém, em meio a
esse corriqueiro e profuso emprego do advérbio em mente, acontecem, também, os que não apenas valorizam a palavra que
modificam, mas compõem seqüências que se constituem verdadeiros achados
estilísticos. Seja quando esboçam personagens, seja quando os situam no efêmero
de determinados momentos. Assim, o novo pároco ao chegar a Macondo é visto
pelos que o esperavam como alguém pasmosamente
magro, de rosto seco e estirado e escarranchado na mula, a batina levantada até
os joelhos e protegido do sol por um guarda-chuva descolorido e maltratado.
Ou o doutor estrangeiro sob o céu noite tropical a permanecer silencioso como entregue por inteiro ao passar daquela noite monstruosamente viva
e a passar na rua cada vez mais aprimorado no vestir como um noivo aflitamente arrumado, envolvido na aura dos loções baratas. Assim, a madrasta a costurar

a comprida cauda do vestido de noiva da enteada parecia à luz ofuscante daquele setembro intoleravelmente claro e sonoro, como se estivesse submersa até os ombros numa nuvem desse mesmo setembro. Ou os homens que esperam, no ambiente fechado da casa, a hora de levar o morto para enterrar que, diante da claridade que irrompe quando a porta é aberta, se fazem brutalmente visíveis, como relâmpagos do meio dia [...].

a comprida cauda do vestido de noiva da enteada parecia à luz ofuscante daquele setembro intoleravelmente claro e sonoro, como se estivesse submersa até os ombros numa nuvem desse mesmo setembro. Ou os homens que esperam, no ambiente fechado da casa, a hora de levar o morto para enterrar que, diante da claridade que irrompe quando a porta é aberta, se fazem brutalmente visíveis, como relâmpagos do meio dia [...].
Na
verdade, talvez tenha tido Gabriel García Márquez alguma razão ao considerar
empobrecedora a presença dos advérbios em mente no seu texto. Entretanto, magos
da escrita como um Eça de Queirós, um Carlos Droguett deles não se privaram e o
uso que fizeram não lhes depreciou o texto. Como não depreciou o de Gabriel
García Márquez e nem tampouco o impediu de achar na combinação de palavras a
expressividade e beleza que apenas os mestres da escrita sabem ter.
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