Foi um prêmio
outorgado seriamente, mas parece ter sido uma piada, observa Gabriel García
Márquez sobre o Oscar pelos melhores
desenhos de vestidos, conferido a Sabrina.
Sendo diretor, Samuel Wilder, na sua opinião, um dos melhores diretores de
Hollywood, se faz difícil entender essa comédia insubstancial, tonta e vulgar, parada
e imperdoável da qual o único a ser apreciado é a avassaladora graça de Andrey Hepburn e a desconcertante capacidade de
Humphrey Bogart para dar conta de qualquer papel que lhe seja posto entre
as mãos. Porque a história do filme se desenrola
com um aborrecido encadear de lugares comuns, de diálogos baratos e de
situações fáceis. Também A condessa descalça, realizado por
Joseph Mankiewicz, diretor, do qual diz ter sabido
manter uma decorosa linha de conduta, realizando filmes de qualidade, apesar
das exigências comerciais lhe merece sérias restrições. Com argumento e
roteiro próprios, ele realiza, nesse filme, uma radiografia de Hollywood,
centrada na psicologia dos magnatas do cinema e Gabriel García Márquez até
concede, se constituir o aspecto formal do filme, realmente admirável: assim essa pura escrita dos primeiros planos,
os movimentos da câmara, o prodígio da cor num aproveitamento estético, a
direção dos atores, entre os quais Ava Gardner, convence com sua compreensão, sua beleza e ainda com esse
ligeiro toque de vulgaridade – comum a todas as suas atuações – que lhe convém
nessa personagem. Mas, ao se deixar cair na tentação de querer fazer
literatura no cinema, faltou talento ao diretor que só conseguiu, então,
realizar uma obra insuportável.
Tentando,
igualmente, revelar como funciona a máquina
publicitária, que faz nascer os mitos do cinema, George Cukor oferece a
visão de um pessoal de Hollywood bem comportado e satisfeito com seu trabalho e
os tipos humanos que retrata servem para uma análise psicológica assaz correta.
A star is born pretende ser, principalmente, um alerta ao atores que não se submetem à férrea disciplina dos chefes da publicidade. O resultado, no
entanto, foi um drama lento e aborrecido,
sem nenhum colorido para tirar do brilhante tecnicolor e muitas canções longas
e sentimentalismo e outras ervas aromáticas.
Outro filme
que sob o ponto de vista técnico lhe chama a atenção é The Racers, do
diretor Henry Hathaway que, habilmente, intercala cenas documentais de corridas
de carro (o argumento pretende mostrar as emoções e sobressaltos de pilotos
europeus) com cenas de estúdio. Mas o enfadonho principia, observa Gabriel
García Márquez, quando o diretor afasta a sua atenção do esporte para se
fixá-la na análise psicológica e Kirk Douglas começa a se converter em Kirk
Douglas. O filme perde o ritmo e ao espectador cabe apenas esperar que termine
a análise e comecem outra vez as carreiras.
Se
nesse caso o trabalho do ator ajudou a prejudicar o filme, em Carmen Jones e em The Country Girl a presença feminina, respectivamente, o valoriza e
o salva do fracasso total. Otto Preminger de quem Gabriel García Márquez
menciona The moon is Blue como
inesquecível comédia, produz, em 1954, uma adaptação de Carmen, de Bizet. Aproveitando todos os seus conhecimentos de cinema,
realizou uma extraordinária experiência
e com uma eficácia admirável. Mas, ao
ceder a uma inoportuna mostra de respeito
pela ópera um diálogo cantado no instante mais patético da história,
empobreceu o filme que, de verdadeiramente notável, possui a presença de Doroty
Dandrige, um asfixiante e esgotante
fenômeno de Sex-appeal [...], uma excelente atriz, uma excelente cantora e uma
das poucas verdadeiras mulheres de carne e osso que pode oferecer o cinema
norte americano.
The country girl, - em espanhol recebeu um título folhetinesco, A que voltou por seu amor, - que Gabriel García Márquez julgou bastante
apropriado para a maneira como o diretor, também roteirista, tratou um drama
psicológico que poderia ter sido notável. Porém, nada acontece e o momento mais
dramático do filme é tão débil como todo o resto, salvando-se apenas a interpretação
de Grace Kelly de admirável força dramática, confirmando dotes de uma atriz que,
todavia, ainda não encontrou seu diretor. No caso, George Seaton que voluntária
ou involuntariamente não foi mencionado por Gabriel García Márquez e que no Dictionnaire du cinema de Jean Tulard
(Robert Laffont, 1991) aparece como sendo um péssimo diretor.
Sobre
um dos faroestes típicos da época, Gabriel García Márquez faz uma apreciação
que é uma verdadeira síntese da maior parte dos filmes do gênero. Não menciona
o título nem o diretor, por esquecimento ou por considerar que todos se
equivalem. Sim, os dois atores conhecidos: Sterling Hayden e Joan Crawford, a grande atriz de outros tempos, ainda não
tão remotos como para que tenha tido que descer a esses extremos. O resumo
que faz do filme – deve se tratar de Johnny Guitar – se inicia com naturalmente, como, levando a exemplificar a sua afirmação primeira: é um apanhado de todos os velhos e gastos
lugares comuns dos piores filmes de vaqueiros. Assim, há uma quadrilha que
assalta diligências e um bar com aguardente e roleta, cenário de todas as
brigas entre bons e maus, já definidos desde o primeiro momento. Há uma lâmpada
e um paiol, o disparo que vai quebrar a lâmpada e incendiar o paiol e muitos
tiros e socos. E conclui, trocista: é um
bom espetáculo cômico, feito com a melhor seriedade do mundo.
Estes
comentários sobre cinema, escritos nos primeiros meses de 1955, para El
Espectador de Bogotá, foram compilados por Jacques Gilard e fazem parte do
volume Entre cachacos, publicados pela Bruguera em 1982. Sua leitura,
pelos cinéfilos de hoje, pode ser, quase sempre, instigante e curiosa e
divertida. Quando não, melancólica diante desse testemunho que entre os parâmetros
do Oscar e os filmes que repetem, indefinidamente, as conhecidas receitas para
os consabidos, fáceis e medíocres sucessos deixa ver que, imunes ao meio século
que passou, as produções norte-americanas permanecem imutáveis. E, embora tolas
e embora eticamente e artisticamente, com freqüência, desonestas, continuam,
ainda, donas de um público que lhes é fiel e sempre cativo.

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