Em
Vivir para contarla (Buenos Aires,
Sudamericana, 2002), Gabriel García Márquez, no que se refere a sua produção
literária, salvo breves textos sobre o primeiro romance La hojarasca que publicou, se atém, principalmente, aos artigos de jornal. Desde o primeiro, que
apareceu no dia 21 de maio de 1948, no jornal El Universal de Cartagena, poucos meses depois de sua estréia na
ficção com o conto “La tercera resignación”, até o último, publicado nas
vésperas de sua viagem a Europa em setembro de 1955. Tanto esses textos, como
os demais escritos nesse período em que permaneceu na Europa, foram compilados
por Jacques Gilar e publicados pela Bruguera de Barcelona, nos primeiros anos
da década de oitenta, constituindo os volumes Textos costeños, Entre
cachacos e De Europa y América.
Em
1954, Gabriel García Márquez abandona a costa do Caribe onde nascera e passara
seus primeiros anos, para viver em Bogotá. Mal acabara de chegar e fora à
redação de El espectador para
encontrar um amigo, o diretor do jornal o mandou chamar e logo depois dos efusivos abraços de uso na cidade, lhe
pediu uma pequena nota para fechar o jornal. Ao perguntar onde poderia sentar,
lhe assinalou uma sala vazia com uma velha máquina de escrever. Ali trabalharia
Gabriel García Márquez nos dezoito meses seguintes, escrevendo sobre informação
geral, notas de opinião e tudo o que fosse necessário nos apuros de última
hora.
Era El
espectador um modesto vespertino de
dezesseis páginas cuja tiragem chegava a uns cinco mil exemplares. Eduardo
Zalamea Borda que assinava, com o pseudônimo de Ulisses, a rubrica “A cidade e
o mundo”, havia declarado, através da BBC de Londres, que era o melhor jornal
do mundo. Opinião, observa García Márquez, que não era tão grave quanto o fato
de nela acreditarem quase todos os que o elaboravam e muitos daqueles que o
liam. Na verdade, se constituía uma verdadeira escola de jornalismo numa época
em que o jornalismo era aprendido nas redações.
Contratado e
com um salário que lhe pareceu imenso, em menos de dois anos, Gabriel García
Márquez, como o lembra nas suas memórias, escreveria umas seiscentas notas editoriais, uma notícia assinada ou sem assinatura a
cada três dias e pelo menos oitenta reportagens entre assinadas ou anônimas. Além de setenta e cinco críticas sobre
cinema, que apareciam sob a rubrica “Estréias da semana”, algumas das quais
fazem parte do volume Entre cachacos. Os
comentários, na sua maior parte (o que é evidente, pois sempre resultam ser em
maioria), tratam de filmes norte-americanos, ainda que haja aqueles dedicados a
dois filmes franceses, a um sueco, a um alemão, a um inglês e ao Robinson Crusoe, de Luiz Buñuel. Em
maior número, aqueles em que escreve sobre os filmes italianos.
Embora
critique a insuportável presença de filmes italianos de má qualidade, quatro de
suas notas elogiam Processo allá cita, La provinciale,
Última clase e Cronaca de un amore. De seus respectivos diretores diz: Luigi Zampa
é o formidável criador do inconfundível
ambiente de humor e humanidade;
Mario Soldati, um profundamente conhecedor
do que tem entre as mãos; Luciano Emmer, um prodigioso, um excelente
diretor; e Michelangelo Antonioni, autor de magnífico filme. Das atrizes, Anna Magnani e Lucia Bosé são as
melhores atrizes do cinema italiano; Silvana Pampanini, vistosa e atração de
bilheteria. Por Gina Lolobrígida, não se imutou como o demonstra esse
julgamento assaz irônico: fez sua
carreira sobre os inquietantes pegadas de seus atrativos físicos e de quem diretores tão diferentes e
notáveis como René Clair e Alejandro Blassetti não conseguiram tirar partido senão do expressamente ornamental. Amadeo
Nazzari, o galã de uma infinidade de filmes, é apenas mencionado, mas a atuação admirável de Gabriel Farzetti em La provinciale o entusiasma. Quanto aos
aspectos técnicos dos filmes, neles apenas se detém: sobre Cronaca de un amore diz
que a fotografia, a direção dos atores, a
discreta história, se juntaram para fazer um filme notável e que o longo e
belo monólogo do saxofone foi
magistralmente executado. Filme correto, intocável sob o ponto de vista técnico
é sua opinião sobre La provinciale.Última classe faz parte dessas pequenas
e deliciosas sábias obras primas do cinema moderno assinadas por Luciano
Emmer. Mas é o tema, mais do que o assunto ou os recursos do cinema o que lhe
agrada em Processo allá cita, supostamente, um filme policial que ele diz
ir além de um enredo para ser uma análise
da justiça através de um episódio mais ou menos fictício no qual resultam
cúmplices de uma sucessão de crimes, elementos de todas as classes sociais de
Nápoles.
Na verdade,
estas notas breves e superficiais, frutos do que ele mesmo reconhece ter sido
uma audácia, oferecem – e estes foram os
motivos – uma orientação simples e sem alardes que seu confessado amor pelo
cinema conduz para, nessas incursões críticas, ajudar um público sem formação acadêmica a descobrir nos
filmes, as belezas e os mistérios que ele, com emoção, quer compartilhar.
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