domingo, 12 de janeiro de 2003

Das normas e afins do bem conviver


            Confessa trinta anos de vida literária e os leitores sabem que se trata de um tempo essencialmente frutífero pois, entre os doze romances que publicou, alguns são obras verdadeiramente marcantes. No dia 10 de novembro de 2002, Luiz Antônio de Assis Brasil publicou na Zero Hora de Porto Alegre e sob o título de “O escritor civilizado” o que chamou de sua listinha (segundo afirma, não pretende ditar regras) sobre as possíveis incivilidades que um escritor deve evitar e que agrupou em três itens: Lançamento de livro, As relações com os leitores e os críticos, O escritor e a sociabilidade. Imbuídas do mais absoluto bom senso e oportunas num momento em que se realizava na capital gaúcha a sua Feira do Livro, as recomendações se constituem, sem dúvida, algo de valioso nesses tempos em que o telefone, o computador e a mídia instituíram novos padrões de relacionamento cujos códigos não foram ainda (e talvez nunca venham a ser) estipulados. É evidente que, na ausência deles, caberá ao escritor a opção de seu comportamento até porque, nem sempre haverá regras para todas as situações que possam vir a ocorrer. Bastante rara, esta em que se vê envolvido Moacyr Scliar. Autor de uma importante obra ficcional, teve, de repente, seu nome ligado a um imbróglio literário, relacionado ao romance Life of Pi, do canadense Yann Matel, ganhador do Booker Prize 2002, o mais importante prêmio literário da Grã Bretanha. Conforme matéria do Suplemento “Cultura”, da Zero Hora, datado do dia 9 de novembro de 2002, não apenas no prefácio do livro como em entrevistas, Yann Martel reconhece ter sido da leitura de uma resenha sobre o livro Max e os Felinos, de Moacyr Scliar, que lhe veio a inspiração para escrever o seu romance, agora premiado. Afirmação que dir-se-ia originada no desejo de saldar uma dívida. No entanto, seja o afã em provocar polêmicas, seja a ignorância a respeito do assunto em pauta que, muitas vezes, comanda os profissionais da mídia, levaram a um qüiproquó malsão e, talvez, sem sentido ao considerar possível a existência de um plágio. Que o romancista canadense afirma, na Entrevista ao jornal de Porto Alegre, não ter havido, uma vez que nunca leu as obras do escritor gaúcho. Na mesma página, publicado um texto de Moacyr Scliar sob o título “O conceito de plágio”, onde ele afirma ser  norteado, apenas, pelo desejo de estabelecer um vínculo afetivo e intelectual com pessoas. Quanto ao ter sido sua obra plagiada, diz não ter condições de responder uma vez que desconhece o conceito da palavra e precisaria recorrer àquele estabelecido por pessoas ou instituições sérias. Certamente, há prudência no seu dizer, pois, embora elaborados com cuidado e boas intenções, os conceitos, via de regra, demarcam por linhas sinuosas, fluídas. E no caso, seria, ainda, um nunca acabar de querelas. O que, Moacyr Scliar não desejaria, pois esclarece ser avesso às polêmicas literárias. Então, para que os escritores possam escrever e ser lidos com prazer e com emoção, menciona a utilidade de existirem regras claras de relacionamento entre escritores e suas obras, esperando que haja um desfecho justo e consensual.


 Anunciado o interesse de várias editoras em editar Life of Pi, no Brasil, mais facilmente, o romance poderá ser matéria de exame pelos conhecedores da Literatura Comparada que, entre seus assuntos, estuda os temas que migram de uma Literatura para outra, as fontes e as influências.

            Há sessenta anos  atrás, no seu pequeno manual sobre Literatura Comparada, publicado pela Presses Universitaires de France, M.F. Guyard  prevenia  sobre as dificuldades em distinguir as coincidências ou encontro de pensamentos, dando como exemplo o livro A viagem de Charles Morgan. Nele, descrita uma prisão, guardada por um carcereiro chamado Barbet. Nas páginas de Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo, também há uma prisão semelhante, cujo carcereiro se chama Barbet. No entanto, a pesquisa do comparatista Jean-Bertran Barrère estabeleceu que nunca Charles Morgan havia lido essa obra de Victor Hugo.

            Ou seja, é preciso mais do que simples suposições para proclamar, aos quatro ventos, uma afirmação que possa resultar em prejuízo para alguém ou originar desnecessárias dissensões.

            Assim, se normas se tornam necessárias – e não somente para a mídia ou para os escritores – em busca do bem conviver, é preciso não esquecer que, sem elas ou com elas, antes de mais nada, o que deve reger comportamentos e, em qualquer circunstância, é o respeito pelo seu semelhante.

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