Foi-lhe
difícil aprender a ler e o conseguiu somente, quando a professora ensinou, não
os nomes das letras, mas os sons. Também lhe resultou difícil acompanhar a
maioria das aulas nos anos em que foi seguindo os estudos normais ou o curso de
Direito que frequentou apenas e que abandonou bem antes de concluir porque o
aprendizado que perseguia era o aprender
a escrever.
Criança franzina
– aos quatro anos era pálido e
ensimesmado, aos doze, raquítico e
pálido – desenha, faz versos e canta. Ao recordar desses primeiros anos, no
seu livro de memórias, Vivir para contarla (Buenos Aires, Sudamericana,
2002), Gabriel García Márquez reencontra suas raízes, todo um mundo que o foi
construindo a par das leituras em atropelo e que o conduzem à longa e sofrida
luta pela forma literária perfeita: como jornalista que irá se forjar no dia a
dia das redações; e como o escritor que busca ser, cuja estréia se irá dar com
a publicação do conto “La tercera resignación”, pelo El espectador de
Bogotá, no dia 13 de setembro de 1947 e de “Eva está dentro de sua gato”, no
mês seguinte. Um dos mais importantes articulistas do jornal e crítico severo,
uns dias mais tarde, fez uma apreciação sobre esses contos, finalizando com uma
afirmação definitiva e com o valor de um discernimento espontâneo que não
sofreu, no momento, quaisquer influências: Com
García Márquez nasce um novo e notável escritor. Embora os dizeres
elogiosos e premonitórios de Eduardo Zalamea lhe tivessem provocado um impacto de felicidade, não o impediram
de ter sobre esses contos um julgamento severo e inapelável – eles contém o gérmen de sua própria destruição – e que pouco irá
mudar em relação aos que se lhe seguiram. Enredando-se na escolha dos temas e
na estrutura narrativa, ainda que menos retóricos, os considera incapazes de sair do pântano. Quanto ao romance “La
Casa”, que pretendia ser um drama da
guerra dos Mil Dias no caribe
colombiano, e sobre o qual ele mais falava do que escrevia, diante da
realidade que se lhe apresenta aos olhos, ao voltar, com sua mãe, à pequena
cidade de sua infância, lhe parece uma
pura invenção retórica sem sustentação alguma numa verdade poética. Assim,
constata que o modelo da epopéia com que sonhava não podia ser outro senão o da
própria família que nunca fora protagonista
de algo, mas testemunho inútil e vítima de tudo. Num rompante de emoção,
começou a escrever o romance que diria ser de
sua vida, já, então, podendo prescindir dos recursos artificiais, não,
porém, da carga emocional que arrastava
sem o saber e o tinha esperado na casa dos avós. Todavia, ainda assim, lhe
foi necessário tempo e trabalho para encontrar o método correto que, no
entanto, não o salvaguardou do tarefa de refazer muitas páginas, de se submeter
aos critérios próprios do romance que
não coincidiam com os seus, de hesitar entre os oitenta títulos possíveis que
anotara num caderno; de ler romances
alheios para descobrir os mistérios de sua estrutura; de efetuar as renovadas
correções, além das modificações
sugeridas pelo amigo rastreador de
inconsequências; de perceber, depois
de um ano de trabalho, que se encontrava num labirinto sem entrada nem saída; de
comprovar que não sentia o romance respirar, que o via naufragar sem saber onde estavam as fendas, pois
somente ele próprio podia ter olhos para
vê-las e coração para sofrê-las.
Entre os
desânimos e as euforias, estava quase a terminar o romance quando tem conhecimento
que a editora Losada de Buenos Aires poderia publicá-lo. E se lança, ainda uma
vez, à leitura e releitura do texto. Modifica, inventa, revisa, num trabalho
feito com a alma na mão para,
finalmente, tomar a decisão serena de
não publicá-lo. Um de seus amigos, contudo, não lhe deu tempo de manter a sua
decisão. Tampouco, de uma leitura final e enviou os originais de La Hojarasca
para Buenos Aires. Foram, para Gabriel García Márquez, dois longos meses de
espera até o dia em que lhe chega o envelope com o papel timbrado da Losada,
anunciando ter sido o romance recusado.Tal era o veredictum supremo de don Guillermo de Torre, presidente do conselho
editorial, sustentado com uma série de argumentos simples nos quais ressoavam a
dicção, a ênfase e a eficiência dos brancos de Castela.
Passado o
momento em que pensou morrer e o da vergonha e o da consternação, Gabriel
García Márquez entendeu que até as objeções mais ácidas lhe pareceram pertinentes.
Empreendeu, levando em conta, também, as conclusões dos amigos, uma nova
correção, eliminando trechos que entorpeciam na forma e no fundo a unidade
estrutural do romance.
Em Vivir
para contarla, que termina com a sua viagem à Europa, em 1955, Gabriel
García Márquez não mais irá mencionar La Hojarasca, publicada nesse ano.
Na sua biografia, Viaje a la semilla, em que Dasso
Saldívar rastreia, minuciosamente, cada uma de suas obras, consta, com base em
documentos e testemunhos de amigos, que foram quatro versões do romance até a
sua primeira edição e uma quinta, pois, na segunda edição, quatro anos depois,
Gabriel García Márquez suprimiu trechos e modificou frases. No entanto, num
encontro que teve em 1989 com esse seu biógrafo, disse que La Hojarasca não passou por muitas versões: o que aconteceu foi que demorou muito
para escrevê-la. Agora, nas suas
memórias, afirma que o livro não teve
nenhuma mudança de fundo durante a elaboração, nem nenhuma versão diferente do
original, salvo supressões e remendos durante uns dois anos antes de sua
primeira edição, quase pelo vício de seguir corrigindo até morrer.
Certamente,
levando a sério o que, ainda muito jovem, desejou ser, propondo-se a aprender a escrever do zero, com a tenacidade e a pretensão encarniçada de ser
um escritor diferente.





