domingo, 22 de dezembro de 2002

So o sol quadrado 4

            Miguel Cara de Angel era o homem de confiança do presidente. Um presidente cuja figura tem sido bem conhecida num Continente em que tudo pode ser acomodado para atender os interesses de alguns. E onde as palavras, mais do que seus reais significados, muitas vezes, nada mais são do que os eufemismos necessários para esconder inconfessáveis realidades. E Miguel Cara de Angel fazia parte da coorte de submetidos que, obedecendo, cegamente, ao senhor presidente faziam do país um território do medo, da injustiça e da opressão, e isto lhe  valia os privilégios de praxe.  Porém, teve a desdita de se apaixonar pela filha de um homem, condenado, arbitrariamente, como tantos outros, à morte e com ela se casar. Razão considerada suficiente para cair em desgraça. A história de seu amor e de seu destino é a linha narrativa a conduzir o romance El señor presidente do guatemalteco Miguel Angel Astúrias, Prêmio Nobel, 1966 (Losada, Buenos Aires, 1948), um dos mais terríveis libelos já escritos contra um ditador. Dividido em três partes, sob um signo do tempo, “21, 22 y 23 de abril”, “24, 25, 26 y 27 de abril” e “Semanas, meses, años” que, na verdade, resulta atemporal, pois o que relata não é apanágio de uma história ou de um lugar, mas pode sê-lo de muitos e de diferentes épocas. Na trama, um coronel é morto por um mendigo que a maldade humana deixara fora de si. O presidente aproveita para atribuir a culpa de sua morte a um dos generais, mas não lhe convém pô-lo na cadeia e urde uma trama para matá-lo dentro da lei, induzindo-o, através de um de seus sequazes, à fuga. Quem irá elaborar o plano e executá-lo será Miguel Cara de Angel. E tudo sairia a contento não fosse o amor que irá sentir por Camila, a filha de sua vítima. No desejo de ajudá-la, em meio do desespero ao se saber órfã e desamparada, acaba enfrentando o amo ao se casar com ela. O castigo não se fará tardar.Vai ser, oficialmente, enviado em missão aos Estados Unidos, mas no porto, prestes a embarcar, é detido. Um homem, alto, pálido, meio louro, como ele, se apossa de seu passaporte, de seus documentos, de seu dinheiro e de sua aliança e parte no seu lugar. A golpes, o transladam para um vagão imundo que o levará de volta à capital onde sua mulher espera a carta com notícias. E, para ela, são horas que se sucedem, dias, semanas, meses, anos na busca desesperada, no silêncio como resposta. Num calabouço, em algum lugar da cidade, Miguel Cara de Angel vai perdendo a vida: Duas horas de luz, vinte e duas horas de escuridão completa, uma lata de caldo e outra de excrementos, sede no verão, no inverno o dilúvio, esta era a vida nos cárceres subterrâneos.  Síntese de uma sucessão de horrores que povoam o penúltimo capítulo do romance em páginas onde a crueldade do ser humano para com o seu semelhante parece atingir o paroxismo. E não apenas no intento da destruição física de quem não foi julgado, nem sentenciado a não ser pela vontade do presidente na sua busca de vingança. Mas, também, de sua alma, ao fazê-lo acreditar que a mulher amada, ao ver-se no abandono, se tornara amante do homem que o estava destruindo e com a falsa história que lhe mandara contar, lhe desferira o golpe final.

            No “Epílogo”, uma procissão de presos, um louco a proclamar loucuras e o estudante que vai para casa onde encontra a mãe presa a seu rosário. Suplica pela paz entre os príncipes cristãos, pelos que sofrem perseguição da justiça, pelos inimigos da fé católica, pelas necessidades sem remédio da Santa Igreja. E pelas benditas almas do Santo Purgatório.      

Nenhum comentário:

Postar um comentário