Miguel
Cara de Angel era o homem de confiança do presidente. Um presidente cuja figura
tem sido bem conhecida num Continente em que tudo pode ser acomodado para
atender os interesses de alguns. E onde as palavras, mais do que seus reais
significados, muitas vezes, nada mais são do que os eufemismos necessários para
esconder inconfessáveis realidades. E Miguel Cara de Angel fazia parte da coorte
de submetidos que, obedecendo, cegamente, ao senhor presidente faziam do país
um território do medo, da injustiça e da opressão, e isto lhe valia os privilégios de praxe. Porém, teve a desdita de se apaixonar pela
filha de um homem, condenado, arbitrariamente, como tantos outros, à morte e
com ela se casar. Razão considerada suficiente para cair em desgraça. A
história de seu amor e de seu destino é a linha narrativa a conduzir o romance El
señor presidente do guatemalteco Miguel Angel Astúrias, Prêmio Nobel, 1966
(Losada, Buenos Aires, 1948), um dos mais terríveis libelos já escritos contra
um ditador. Dividido em três partes, sob um signo do tempo, “21, 22 y 23 de
abril”, “24, 25, 26 y 27 de abril” e “Semanas, meses, años” que, na verdade,
resulta atemporal, pois o que relata não é apanágio de uma história ou de um
lugar, mas pode sê-lo de muitos e de diferentes épocas. Na trama, um coronel é
morto por um mendigo que a maldade humana deixara fora de si. O presidente
aproveita para atribuir a culpa de sua morte a um dos generais, mas não lhe
convém pô-lo na cadeia e urde uma trama para matá-lo dentro da lei,
induzindo-o, através de um de seus sequazes, à fuga. Quem irá elaborar o plano
e executá-lo será Miguel Cara de Angel. E tudo sairia a contento não fosse o
amor que irá sentir por Camila, a filha de sua vítima. No desejo de ajudá-la,
em meio do desespero ao se saber órfã e desamparada, acaba enfrentando o amo ao
se casar com ela. O castigo não se fará tardar.Vai ser, oficialmente, enviado
em missão aos Estados Unidos, mas no porto, prestes a embarcar, é detido. Um
homem, alto, pálido, meio louro, como ele, se apossa de seu passaporte, de seus
documentos, de seu dinheiro e de sua aliança e parte no seu lugar. A golpes, o
transladam para um vagão imundo que o levará de volta à capital onde sua mulher
espera a carta com notícias. E, para ela, são horas que se sucedem, dias,
semanas, meses, anos na busca desesperada, no silêncio como resposta. Num
calabouço, em algum lugar da cidade, Miguel Cara de Angel vai perdendo a vida: Duas horas de luz, vinte e duas horas de escuridão completa, uma lata de
caldo e outra de excrementos, sede no verão, no inverno o dilúvio, esta era
a vida nos cárceres subterrâneos.
Síntese de uma sucessão de horrores que povoam o penúltimo capítulo do
romance em páginas onde a crueldade do ser humano para com o seu semelhante
parece atingir o paroxismo. E não apenas no intento da destruição física de
quem não foi julgado, nem sentenciado a não ser pela vontade do presidente na
sua busca de vingança. Mas, também, de sua alma, ao fazê-lo acreditar que a
mulher amada, ao ver-se no abandono, se tornara amante do homem que o estava
destruindo e com a falsa história que lhe mandara contar, lhe desferira o golpe
final.
No
“Epílogo”, uma procissão de presos, um louco a proclamar loucuras e o estudante
que vai para casa onde encontra a mãe presa a seu rosário. Suplica pela paz
entre os príncipes cristãos, pelos que sofrem perseguição da justiça, pelos
inimigos da fé católica, pelas necessidades sem remédio da Santa Igreja. E
pelas benditas almas do Santo Purgatório.
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