O
mundo dos negócios explica, hoje, que a produção de um filme possa ter dois ou
três países como financiadores e que a edição de um livro possa ocorrer,
simultaneamente, em dois, três ou mais países numa política editorial que,
poucas vezes, leva em conta a qualidade e sim, antes de mais nada, o lucro.
No entanto,
foi em 1950 que se deu, no dizer de Emir Rodriguez Monegal (El viajero
inmóvil, Buenos Aires, Losada, 1966) um lançamento editorial
latino-americano de tal importância como poucos livros o tiveram: no dia 3 de
abril, resultado de uma subscrição, assinada pelas personalidades mais
destacadas do mundo hispânico, na cidade do México, veio à luz o Canto General
numa edição ilustrada por Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros. Logo
aparece outra, em fac-símile que, posta a venda, foi um êxito notável. Três
anos antes, em abril de 1947, haviam sido realizadas no Chile eleições municipais
cujos resultados mostraram uma expressiva presença do Partido Comunista,
partido que dera apoio a González Videla para elegê-lo Presidente. Ele, então,
havia dito: Não haverá força humana nem
divina que possa me separar do Partido Comunista. Mas, com o resultado, que
não previra, a contrariarem seus novos acordos, não podia aceitar, diz Volodia
Teitelboim no seu livro Neruda (Santiago, Editorial Sudamericana
Chilena,1996) que os comunistas viessem a se constituir, através das urnas, um
grande partido. Na verdade, é sabido que já havia negociado com os
norte-americanos do presidente Harry Truman os destinos dos comunistas. Logo,
passou a perseguir Pablo Neruda que o ajudara na campanha, como Chefe do Comitê
Nacional de Propaganda, quando então, testemunhara as suas promessas de reformas
sociais. Dominado pelo humilhante sentimento de ter sido atraiçoado, o Poeta
escreve “Carta íntima para milhões de homens”, publicado pelo jornal El
Nacional de Caracas.
González
Videla, com o argumento de que a publicação dessa carta no estrangeiro é um
abuso de quem usufrui da imunidade parlamentar, pede a destituição de Pablo
Neruda de seu cargo de Senador da República. Apesar da licença para se ausentar
do país que lhe concede Arturo Alessandri, Presidente do Senado, no dia 3 de
fevereiro ele é destituído de suas funções o que o torna um cidadão comum,
passível de ser preso. Efetivamente, dois dias depois, o Tribunal de Justiça
ordena a sua detenção. A partir desse momento ele deve se esconder para evitar
a prisão e passa a viver na clandestinidade, ajudado por amigos e por
correligionários e, às vezes, por pessoas que nem conhece. A síntese desse
peregrinar é dada por Volodia Teitelboim: uma
lei da clandestinidade prescreve que não se pode permanecer muito tempo numa
casa. Teve que mudar. Foi de casa em casa, todas humildes, nelas todos
guardavam o segredo. [..].) Ele entrava de repente sem conhecer ninguém e era recebido como irmão. E de esconderijo em
esconderijo, Pablo Neruda vai escrevendo os poemas do Canto General.
Mais tarde, ele irá contar: foi escrito
na sua maior parte em dias de
perseguição e dificuldades. Eu não
estava na prisão mas era difícil escrever sem ter comunicação com ninguém. Dezenove dias depois de tê-lo
terminado, cruza, a cavalo, a Cordilheira dos Antes, rumo à fronteira da
Argentina, levando seu manuscrito sob um rótulo falso. Atrás de si, expondo-se
às perseguições policiais, ficaram aqueles que deveriam realizar a tarefa de
publicar o Canto General, no Chile. Eram
tempos em que a polícia estava à caça da propaganda clandestina. Tinha a lista de todas as imprensas e podia descobrir a
origem de uma publicação através da
tipografia usada, relata Volodia Teitelboim. Mas não foi essa uma razão
suficiente para impedir a edição, apresentada como se tivesse sido feita no
México, de cinco mil exemplares.
Um
deles, chegará às mãos de Pablo Neruda, em Paris, onde chegara fugitivo, também
a viver escondido. Ao lhe ser concedida a permissão para uma permanência legal
no país, ele pôde se apresentar no Congresso Mundial de Partidários da Paz que
se realizava com a presença dos mais prestigiados intelectuais da época. No dia
25 de abril de 1949, quando do seu encerramento, lê, dessa edição chilena
clandestina, “Um canto para Bolívar”.
Para
o poeta e para os poemas do Canto General acabavam-se os dias de
clandestinidade.




