Como
soe acontecer, tantas vezes, na História da Literatura Brasileira, muitos dados
que seriam importantes para a melhor compreensão de uma obra, devido a um sem
número de razões, permanecem desconhecidos. No que diz respeito ao romance de
Joaquim Maria Carneiro Vilela, A Emparedada da Rua Nova, duas
questões permaneceram, ainda, sem resposta quando o romance foi publicado em
1984, pela Prefeitura de Recife: uma, relacionada ao seu assunto e a outra, à
forma e à data de publicação. Lucilo Varejão Filho na breve notícia que assina,
antecedendo o texto do romance nesta última edição, diz que ouviu, pela
primeira vez, contada por uma velha senhora fato pretendidamente real que teria
servido de base ao livro e que o teria então divulgado. No romance, em dois
momentos, há referência à veracidade do episódio: um pai que manda emparedar a
filha solteira ao descobrir que está grávida. Primeiro, o autor o classifica
como um dos muitos episódios verdadeiros e misteriosos da história
secreta da província; depois, esclarece como a ele teve acesso, vinte anos
depois, quando residia na Corte, pelo testemunho de uma sua criada que havia
sido escrava da família onde se dera o crime. Para que não contasse o que se
passara na casa do amo, é levada a um comerciante de escravos com a ordem
expressa de ser enviada ao sul no primeiro navio que para lá partisse e vendida
por qualquer preço. Conseguindo a sua liberdade, passa a trabalhar para o romancista,
contando-lhe parte das cenas íntimas e
violentas da família Favais que presenciara.
Constituem-se
estas asserções verdadeiras ou apenas um recurso narrativo entre os muitos de
que se serviu Joaquim Maria Carneiro Vilela para arquitetar a longa narrativa
que irá anteceder o episódio anunciado pelo título da obra? Episódio que
ocupará umas poucas páginas, as últimas das quinhentas e cinqüenta e cinco que
a compõem.
No
penúltimo capítulo, são narradas as providências tomadas por Jaime Favais ao
ficar sabendo da gravidez da filha. Sai em busca de referências para contratar
um pedreiro. Na posse de seu endereço, deixa escoar o dia para ir bater-lhe à
porta e, sob ameaças, obrigar a acompanhá-lo. Venda-lhe os olhos e o leva até a
sua casa de onde irão sair às três horas da manhã quando o pedreiro, igualmente
é levado de volta com a venda a impedir-lhe a visão. Duas horas depois, Jaime
Favais embarca, com a família, num navio inglês que pouco depois irá seguir
para a Europa.
Será,
somente, no último capítulo do romance que o relato do que acontecera nas horas
passadas na casa de Jaime Favais, será feito e pela voz do pedreiro. No
decorrer da manhã, ele se apresenta ao Chefe de Polícia para lhe informar sobre
o crime cometido naquela noite. Conta, detalhadamente, o sucedido a partir do
momento em que foi levado de sua casa até aquele em que para ali, é
reconduzido. Sua terrível história – ter erguido uma parede de tijolos, depois
de fechar com ladrilhos a banheira onde se debatia uma pessoa, com os pés e
mãos amarrados que ele percebe ser a filha do mandante do trabalho – foi
considerada fantasiosa, pois nem o Chefe de Polícia, nem o seu Secretário,
acreditaram que semelhante crime se
tivesse dado numa capital civilizada e em pleno ano de 1864. Suas palavras caíram no vazio.
É
um epílogo, após setenta e oito capítulos que terminam sempre em reticências,
esclarecidas nos seguintes, e, também, sempre a se enovelar e a se interromper
e a retomar o fio narrativo de uma estrutura evidente do gênero folhetinesco.
E, aí, reside a segunda grande dúvida: o romance foi publicado, em livro, pela
primeira vez, no ano de 1886. Luiz Nascimento, no seu “Roteiro Jornalístico de
Carneiro Vilela”, segundo citação de Lucilo Varejão Filho, assinala os anos de
1909 (agosto) e 1912 (janeiro), como as datas de início e término da publicação
de A Emparedada da Rua Nova, em folhetim no Jornal
Pequeno.
Um
fato estranho, sem dúvida: a publicação em livro anteceder o seu aparecimento
em folhetim. Sobretudo, quando é inegável pelo número de capítulos e pelo final
de cada um deles, sempre a conter uma zona de sombras a ser esclarecida no que
se lhe segue. E, também, por satisfazer a curiosidade do leitor, após tê-lo
conduzido por mais de quinhentas páginas, apenas no último capítulo.
Na
verdade, dir-se-ia que tais questões podem parecer irrelevantes. Mas
elucidá-las, será também, responder a outras tantas, envolvendo o autor e a
gênese de suas obras, envolvendo a época em que viveu e produziu e, sobretudo,
o que dessa época refletiu ou repudiou. É inegável que, em tais respostas,
estaria presente algo desse Brasil do século XIX, certamente quase desconhecido
e sem grandes possibilidades de deixar de sê-lo. Pois é sabido que, em muitos
dos projetos acadêmicos de pesquisa, parece ser oportuno e imprescindível – a
elite também se nutre de ilusões – estudar autores ou fenômenos literários,
oriundos de outras plagas, ainda que pouco ou nada tenham a ver com a realidade
do próprio país e de seus habitantes.

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