A
Emparedada da Rua Nova, além de ser publicado em folhetim, teve três
edições: em 1886, em 1934 e em 1984 quando a prefeitura de Recife a incluiu no seu
programa de recuperação das obras pernambucanas de velhos autores, cujo acesso
é, hoje, muito difícil se não impossível. Trata-se de um romance que, embora
não tenha ultrapassado as fronteiras de seu estado, é tido por um livro mítico da literatura pernambucana.
Seu autor, Joaquim Maria Carneiro Vilela, homem extremamente versátil como o
testemunha a sua extensa obra, constituída de poesia, conto, teatro, crônica,
panfleto e romances, estes sempre publicados em folhetim. A Emparedada da
Rua Nova, considerada por Lucilo Varejão Filho a sua melhor obra, é a que
impede ser, o seu autor, inteiramente esquecido. O que, talvez, se deva, menos
as suas qualidades literárias do que se basear a narrativa num fato tido como
real: a morte a que foi condenada pelo pai, encerrando-a entre quatro paredes,
de uma jovem solteira que ficara grávida. Todavia, Joaquim Maria Carneiro
Vilela, mostra-se, de acordo com os padrões da época, um mestre na arte do
relato. Cada um dos breves capítulos, divididos em três partes que formam o
romance, são peças narrativas extremamente ágeis no contínuo e rápido
desenrolar da trama e dos diálogos que, no entanto, se enovelam numa ação
sempre interrompida diante das exigências do folhetim. Também, um mestre na
descrição dos tipos e nas suas tiradas a traduzir comportamentos que lhes
completam o perfil e esboçam os ritos dos grupos sociais nos quais se movem.
Os
capítulos que formam a primeira parte do romance, dando conta de sucessos resultantes
de outros, anteriores – narrados na segunda parte – se alongam por duzentas
páginas. Neles, tudo gira em torno do reconhecimento de um cadáver que aparece
numa localidade próxima de Recife o que é dado a conhecer ao leitor por meio de
notícias de jornal e dos comentários que, a partir deles, advém. Um dos
personagens centrais do romance, homem de posses e situação social
privilegiada, após tramar com elementos pagos para servirem a seus interesses,
se dirige para o local em que foi encontrado o morto, a fim de efetuar o seu
reconhecimento o que, ainda, não fora feito.Os acertos com seus companheiros de
farsa e com o delegado e o escrivão responsáveis pelo caso, que na verdade, não
são segredo para nenhum filho do Continente, são verdadeiramente atuais e as
asserções de cada um deles, sem dúvida, exemplares para definir o papel que
lhes compete.
O
rico e respeitado comendador a quem não interessa que o cadáver seja
reconhecido, quando o seu cúmplice levanta a hipótese de que a verdade possa
vir à tona – a verdade é como o azeite: sobrenada sempre – responde que
isso será impossível, pois para as
autoridades do Brasil, a mínima cousa
é uma dificuldade... e a maior peneira um véu impenetrável.
O
delegado, por sua vez, se mostra satisfeito pelo fato do cadáver ter sido
reconhecido e a morte atribuída a um suicídio, argumentando: Imagine que não se
descobria essa trapalhada toda, que trabalhão eu ia ter para desencavar o
assassino desse sujeito!... tinha que ver! Tinha de deixar todos os dias a
minha lavoura, os meus trabalhos, os meus cômodos, para me ocupar com esses
inquéritos que não me rendem nada, ou só me rendem intrigas e inimizades. Nada!
Ainda se no fim a gente se deparasse com algum guabiru rabudo e pudesse por esse meio machucar um adversário
político... ainda vá: mas se a gente, no fim de contas, topasse com um
correligionário... hein?...
E
na dúvida sobre as testemunhas ausentes a invalidar o arrazoado já escrito, por
falta de assinaturas, o escrivão não se acanha em dizer: Ora, meu amigo: esquece-se de quem redige os depoimentos é o compadre
[no caso o delegado] e de quem os escreve é este seu criado? Para concluir
com extrema seriedade: Ou se é
autoridade, ou não é: se é, é justamente para servir os amigos.
Convicções
a nortearem procedimentos, reafirmadas, logo, por certos atos escusos que irão
dar mostras da inoperância e do descaso que reinam entre os que deveriam ser os
primeiros a procurar a verdade. Como conseqüência, o crime cometido não terá
culpados diante da lei.
Dessa
maneira, mais do que apenas dono do relato, Joaquim Maria Carneiro Vilela surge
como um cronista muito atento de sua época. No desfile dos tipos que retrata e
nas situações duvidosas em que se envolvem, a narrativa se entrelaça à
observações sobre as relações de classe que, então, emergem e às reflexões
sobre os rituais que passam, entre elas, a se estabelecer. Seu texto extrapola
a intenção primeira – o de distrair – e oferece um testemunho não isento, por
vezes, de moralismo. O que certamente lhe pareceu deveras necessário nessas
plagas tropicais, desprovidas, quase sempre, de reais valores éticos.

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