domingo, 17 de fevereiro de 2002

Vozes perdidas 1


            No mês de julho de 1937 se realizou, em Madrid, o II Congresso Internacional de Escritores Antifascistas que fez da Espanha republicana a capital intelectual do mundo. Um Congresso sem atas e as intervenções, então ocorridas, ficaram dispersas em um sem número de publicações. Em 1979, dois professores, o espanhol Manuel Aznar Soler e o argentino Luiz Mario Schneider reuniram o material que lhes foi possível localizar e o publicaram pela Editorial Laia de Barcelona. São pronunciamentos e testemunhos assinados por escritores, oriundos de muitos países, entre os quais André Malraux, Tristan Tzara, Ilya Ehrenburg, Louis Aragon, Bertolt Brecht, Heinrich Mann, Anna Seghers e os latino-americanos Pablo Neruda, Nicolas Guillén, César Vallejo. Suas palavras são pronunciadas sob o impacto da emoção que dominou cada um dos que ocorreram a Madrid para se opor à ameaça do fascismo e que presenciou, de muito perto, o espetáculo de uma guerra fratricida. E se houve aqueles que nos seus discursos se prenderam a princípios e os que pregaram a ação houve, também, os que expressaram os seus próprios dramas e os daqueles que representavam, em testemunhos que fazem ver que o mundo, desde então, pouco mudou.


            É o caso de Langston Hughes. Nascido em 1902, aos vinte e quatro anos publica seu primeiro livro de poemas, The weary blues. Mas foi a medalha de ouro do Prêmio Harmon, recebida pelo seu romance  Not without laughter,  que o fez decidir ser escritor. Embora lhe tenha sido negada por Washington a permissão de ir à Espanha, como representante da imprensa negra, ele, como negro e pobre, se atribuiu o direito de representar os negros e os pobres e, não somente de seu país, como dos demais, igualmente, oprimidos. Assim, ao se apresentar, diz ter vindo de um país chamado América, país democrático e rico para se expressar, especialmente, em nome dos negros e dos pobres como ele. Oprimidos pela cor da pele e pela pobreza a que estão condenados, há muito, ele diz, já conhecem o significado da palavra fascismo na prática de uma descriminação que se mostra, no seu país, em todas as nuanças e cuja síntese está na proibição de entrarem, os negros, em escolas, teatros, concertos, hotéis e restaurantes.

            Ainda era a década de trinta e Langston Hughes, em meio dessa assistência de escritores, levanta a voz para dizer que os negros da América estão cansados de um mundo no qual um grupo de pessoas pode dizer a outro: Vocês não têm direito à felicidade, nem à liberdade, nem à alegria de viver. Nesse mundo em que os negros são explorados e silenciados é crime se opor à opressão e Nicolás Guillén, Jacques Roumain, Angelo Herndon são disso a prova. E a tragédia da Espanha – mulheres e crianças assassinadas, bombardeios sobre a população civil – mostra o quanto são capazes os opressores para instituir e conservar o poder.

            Mas, tampouco é estranho a Langston Hughes que o racismo é explorado pelos fascistas para aterrorizar as massas trabalhadoras e impedir a sua união e, desprezando fronteiras, tanto serve a uns como a outros: nos Estados Unidos, é dito aos brancos que os negros são bestas ruins e perigosas; na Alemanha, os judeus são caluniados e na Itália, desprezados os etíopes. Daí a sua tese de que ao não existir o racismo, deixará de existir o capitalismo e, igualmente, desaparecerão as guerras e os fabricantes de armas.

            Uma tese que, ao se inscrever na sua sofrida experiência como cidadão, sem direitos, dos Estados Unidos – sem dúvida fruto de um inegável despotismo – e que, ao não considerar outras variáveis, se mostra como sonho de esperançosa ingenuidade. Certamente, também por isso, irrealizável.


             

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