É
um romance engenhoso onde recursos narrativos se sucedem, entrelaçando
surpresas num relato de per si surpreendente: a vida de Eva Duarte Perón, a sua
morte e o misterioso desaparecimento de seu cadáver embalsamado. Uma verdadeira
história do Continente, naquilo que possui de elementos dignos da mais acabada
Literatura fantástica. Santa Evita, publicado em 1995, pelo Grupo
Editorial Planeta de Buenos Aires que, passados quatro anos, já estava na
décima nona edição. Em 1997, foi traduzido para a Cia. Das Letras.
É
sempre auspicioso, embora assaz raro, que a produção latino-americana vença as
fronteiras do Brasil, pois, quase sempre, para isso, é necessário que algo
deveras insólito aconteça. Na verdade, é por demais sabido que uma obra do
Continente, sem a chancela dos irradiadores de conhecimento a orientar as
publicações nos países tidos como desprovidos de uma cultura que possa ser levado
a sério, dificilmente encontra um editor. Talvez, no caso desse romance de
Tomás Eloy Martinez tenha sido levado em consideração, o sucesso das repetidas
edições argentinas. Um êxito que não deve, necessariamente, se reproduzir em
outro universo, pois, para a grande maioria dos brasileiros, nesse caso, de
eventuais leitores, Eva Duarte Perón é, hoje, e talvez tenha sempre sido, uma
desconhecida. Para poucos, uma imagem esplendorosa, é certo, mas diluída no
tempo.
Na
tarefa que se propôs Tomás Eloy Martinez, a de contar sua história, o tempo
transcorrido entre o seu desaparecimento e o ato de escrever para salvá-la –
“Contra a morte, o relato” – encheu-se de percalços. No terceiro capítulo,
“Contar uma história”, esse buscar informações, esse refletir sobre o que
deseja realizar – a tentativa de narrar Evita – num entrelaçamento de
estratégias romanescas, por vezes sutis, a exigir, então, um real esmero do
tradutor.
Embora a
escrita de Santa Evita, salvo em uma ou outra expressão, não se afaste
da linguagem padrão, neste terceiro capítulo, os desvios entre o original e a
sua tradução são numerosos entre aqueles que o espírito da língua justifica ou
os que se constituem eleições pessoais do tradutor ou, ainda, os que são
perfeitamente dispensáveis ou aqueles que alteram significados. Na maioria, são
pequenos deslizes e, na verdade, não demasiado prejudiciais. E somente a
comparação cuidadosa do original com a sua tradução permite perceber as
diferenças.
Entre os
vários desvios relacionados aos vocábulos como os acréscimos, as substituições,
as eliminações ocorridas ou não modificam, seriamente, o texto, ou lhe enfraquecem
o sentido ou se apresentam como inexplicáveis ou curiosas.
Assim, na seqüência Ele tinha trabalhado algumas semanas numa borracharia chamada Norma, na
estrada entre Ramallo e Conesa é eliminada a expressão situada: Había trabajado unas pocas semanas em la gomeria Norma, situada
en el camino de Ramallo a Conesa. Noutra, desaparece o advérbio: Entraban en escena durante pocas páginas y
luego se retiraban del libro para
siempre: Entravam em cena durante
umas poucas páginas e retiravam-se do livro para sempre.
Outras eliminações existem, no entanto, que embora
não mudando o sentido, algo reduzem de seu significado, como no episódio em que
Raimundo Masa deve carregar no ombro os seus filhos desmaiados. No texto
português é abolido o advérbio de lugar. Igualmente, quando no original consta
“Los mitólogos pescaron la idea al vuelo [...], a tradução Os mitólogos pescaram a idéia
[...] ignora a expressão al vuelo que,
em português poderia se transformar em “no ar”. Também reduz a ênfase da frase
ao desconsiderar os pleonasmos que tornam um espaço de tempo maior (Tardé meses y meses para amansar el caos:
Levei meses para amansar o caos) e
outro que denota quantidade (descubría
más y más indicios: descobria mais
indícios).
Há
casos, porém, em que a eliminação, afastando o texto original daquele que foi
traduzido, o afasta, também, da íntegra de seu significado. Raimundo Masa, na
sua árdua e sofrida peregrinação, cujo sacrifício tinha por fim a restituição
da saúde de Evita Perón, ao passar nos povoados, recebia uma cordial acolhida
por parte do pároco, do farmacêutico e das damas da cidade que lhe ofereciam e
a sua família tazas de chocolate y duchas
calientes. São ofertas que na tradução passam a ser doces e xícaras de chocolate quente. Isto é, houve um acréscimo
relacionado à comida e a eliminação de uma possibilidade de conforto: o chuveiro
quente.
É, contudo, na
segunda linha do capítulo que surge a eliminação mais expressiva: Si el malefício invocado por la viúda del Coronel era verdadero [...],
aparece no texto em português como Se a
maldição invocada pela viúva era verdadeira [...] . A eliminação da palavra
Coronel pode ser tida como um
lapso inocente ou um descuido, no entanto, nada impede que seja entendida como
uma opção do tradutor. Que não parece fácil explicar, mas que, sem dúvida,
permite, no mínimo, ser considerada como algo de verdadeiramente curioso.

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