Se
a leitura de Controle Populacional, como a de tantos outros textos que,
igualmente, tem apontado e apontam num sentido crítico para tudo aquilo que
torna possível a situação de vida calamitosa para grande parte dos brasileiros,
levasse a uma ação para sanar tais desacertos, essas leituras deveriam ser
obrigatória em todo o território nacional e por aqueles – do mais humilde
servidor público ao Presidente da República, para só falar das hostes do Estado
– que têm a ver com o destino dos brasileiros. Em edição do Autor, publicado em
Santa Cruz do Sul, em 1999, é um livro que, no entanto, se destina a uns
poucos. Porque ao não estar ao abrigo de uma casa editora, consequentemente,
não usufrui das vantagens de distribuição; porque as informações nele contidas,
embora presumivelmente de conhecimento público, talvez, não sejam de interesse,
para alguns, estarem a ser semeadas aos quatro ventos; sobretudo porque há a
necessidade de uma determinada e atenta visão de mundo para ler esse livro em
todas as suas letras.
Nestor
José Kaercher é advogado em Santa Cruz do Sul, autor de vários livros que, na
condição de seu próprio Editor, espalha a mãos cheias. Vinte e sete capítulos
compõem Controle Populacional, partes de verdadeiro quebra-cabeça porque
incompreensível para muitos, porque inaceitável para outros cujas peças se justapõem para formar o
mapa do Brasil: “Pouco alimento. Muita doença”, “Da mortalidade infantil”,
“Alguns aspectos sanitários”, “A paternidade esquecida”, “Aborto e gravidez”,
“O drama da fome”, entre outros. Fundamentam-se, principalmente, em dados e
documentos oficiais e em matérias de revistas e jornais para falar do que, na
realidade, não é segredo para ninguém, mas que, no entanto, parece ter sido, ao
longo da história brasileira, uma questão de honra escamotear. Sobretudo, a
fome padecida por uma grande parcela da população e da qual só é permitido
tratar em determinados momentos: quando as boas consciências despertam para
pregar, por exemplo, um Natal sem fome, arrecadando, então, toneladas de
alimentos destinados a suprir, escandalosamente, uma carência cotidiana ao
mesmo tempo que ignora, também escandalosamente, todas as demais: escola,
saúde, moradia, vestuário, lazer. E, sobretudo, a dignidade que deve existir em
cada ser humano e que é negada ao analfabeto, ao doente, ao que não possui
teto, nem roupas, nem esse algo que os favorecidos economicamente acham que é
supérfluo para os demais: o divertimento.
Nestor
José Kaercher, ao enumerar as degradantes mazelas que acompanham a trajetória
do povo brasileiro, deixa evidente e seria impossível não o fazer, a hipocrisia
da assim dita elite dominante que subestima essas carências, recorrendo a
simulacros de soluções que se revelam, sem dúvida, esdrúxulas e sem o menor
sentido, ou a medidas paliativas que somente levam a desastrosas reincidências.
Lembrando Bertrand Russel na sua afirmação, em 1950, de que existiriam duas
bombas capazes de liquidar com o mundo, a bomba atômica e a bomba populacional,
expõe a tese que defende há mais de trinta anos: a necessidade de controlar o
número de habitantes do país para que seja possível oferecer aos seus cidadãos
as condições dignas de vida a que tem direito. Considerando que a relação entre
população e produção de alimentos e o seu consumo é uma questão importante – e
falar em suma importância ou transcendental importância é, sem dúvida, fazer
uso de um lugar comum lingüístico – enumera alguns fatos que mostram a ausência
de uma ação de fato eficiente na erradicação da fome. Pois, ainda que sem
teorizar profundamente, é possível discernir, como o faz Nestor José Kaercher,
alguns descaminhos que permitem a sua irremovível presença: são os grãos
perdidos na colheita por falta de maquinário condizente ou no armazenamento
impróprio a fazer com que safras de feijão, soja, milho apodreçam nos armazéns
do governo ou sejam consumidas pelos ratos.É a água contaminada pelos venenos
que combatem as pragas da lavoura ou pelo descuido das populações ribeirinhas a
destruir parte de alimentos; são os desmatamentos e queimadas irresponsáveis; a
mortalidade infantil, o cidadão enfraquecido pela subnutrição; são as seqüelas
deixadas pela alimentação insuficiente a impedir o aprendizado e a profissionalização;
é a desnutrição que diminui a resistência às enfermidades; a perfuração de
poços em busca de água, encontrada, apenas em terras de particulares influentes; são as medidas deficientes no que se
refere à produção agrícola; é a política salarial a permitir que uma parte dos
trabalhadores brasileiros não receba salários ou esse salário mínimo que mal dá
para o sustento de uma pessoa; é a ida das crianças à escola, onde, apenas
supostamente, aprendem alguma coisa, em busca de uma refeição que não existe em
casa.
São
erros, são vícios, por vezes, verdadeiros crimes que marcam e marcaram sempre
as relações sociais dos brasileiros. No seu dizer coloquial, de fala mansa, em
que vez por outra, irrompe uma justa indignação, Nestor José Kaercher deixa sempre
evidente a esperança de que seja exorcizado o mal que os originam. Mas, sem
casa, sem comida, sem instrução não existirá, jamais, nesses que estão à margem
de tudo, o que quer que seja de discernimento para deixá-los perceber as
distorções que os aprisionam. Para gáudio dos que, verdadeiramente, são donos
do país.

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