domingo, 3 de fevereiro de 2002

Palavras semeadas ao vento

            Se a leitura de Controle Populacional, como a de tantos outros textos que, igualmente, tem apontado e apontam num sentido crítico para tudo aquilo que torna possível a situação de vida calamitosa para grande parte dos brasileiros, levasse a uma ação para sanar tais desacertos, essas leituras deveriam ser obrigatória em todo o território nacional e por aqueles – do mais humilde servidor público ao Presidente da República, para só falar das hostes do Estado – que têm a ver com o destino dos brasileiros. Em edição do Autor, publicado em Santa Cruz do Sul, em 1999, é um livro que, no entanto, se destina a uns poucos. Porque ao não estar ao abrigo de uma casa editora, consequentemente, não usufrui das vantagens de distribuição; porque as informações nele contidas, embora presumivelmente de conhecimento público, talvez, não sejam de interesse, para alguns, estarem a ser semeadas aos quatro ventos; sobretudo porque há a necessidade de uma determinada e atenta visão de mundo para ler esse livro em todas as suas letras.

            Nestor José Kaercher é advogado em Santa Cruz do Sul, autor de vários livros que, na condição de seu próprio Editor, espalha a mãos cheias. Vinte e sete capítulos compõem Controle Populacional, partes de verdadeiro quebra-cabeça porque incompreensível para muitos,  porque inaceitável para outros cujas peças se justapõem para formar o mapa do Brasil: “Pouco alimento. Muita doença”, “Da mortalidade infantil”, “Alguns aspectos sanitários”, “A paternidade esquecida”, “Aborto e gravidez”, “O drama da fome”, entre outros. Fundamentam-se, principalmente, em dados e documentos oficiais e em matérias de revistas e jornais para falar do que, na realidade, não é segredo para ninguém, mas que, no entanto, parece ter sido, ao longo da história brasileira, uma questão de honra escamotear. Sobretudo, a fome padecida por uma grande parcela da população e da qual só é permitido tratar em determinados momentos: quando as boas consciências despertam para pregar, por exemplo, um Natal sem fome, arrecadando, então, toneladas de alimentos destinados a suprir, escandalosamente, uma carência cotidiana ao mesmo tempo que ignora, também escandalosamente, todas as demais: escola, saúde, moradia, vestuário, lazer. E, sobretudo, a dignidade que deve existir em cada ser humano e que é negada ao analfabeto, ao doente, ao que não possui teto, nem roupas, nem esse algo que os favorecidos economicamente acham que é supérfluo para os demais: o divertimento.

            Nestor José Kaercher, ao enumerar as degradantes mazelas que acompanham a trajetória do povo brasileiro, deixa evidente e seria impossível não o fazer, a hipocrisia da assim dita elite dominante que subestima essas carências, recorrendo a simulacros de soluções que se revelam, sem dúvida, esdrúxulas e sem o menor sentido, ou a medidas paliativas que somente levam a desastrosas reincidências. Lembrando Bertrand Russel na sua afirmação, em 1950, de que existiriam duas bombas capazes de liquidar com o mundo, a bomba atômica e a bomba populacional, expõe a tese que defende há mais de trinta anos: a necessidade de controlar o número de habitantes do país para que seja possível oferecer aos seus cidadãos as condições dignas de vida a que tem direito. Considerando que a relação entre população e produção de alimentos e o seu consumo é uma questão importante – e falar em suma importância ou transcendental importância é, sem dúvida, fazer uso de um lugar comum lingüístico – enumera alguns fatos que mostram a ausência de uma ação de fato eficiente na erradicação da fome. Pois, ainda que sem teorizar profundamente, é possível discernir, como o faz Nestor José Kaercher, alguns descaminhos que permitem a sua irremovível presença: são os grãos perdidos na colheita por falta de maquinário condizente ou no armazenamento impróprio a fazer com que safras de feijão, soja, milho apodreçam nos armazéns do governo ou sejam consumidas pelos ratos.É a água contaminada pelos venenos que combatem as pragas da lavoura ou pelo descuido das populações ribeirinhas a destruir parte de alimentos; são os desmatamentos e queimadas irresponsáveis; a mortalidade infantil, o cidadão enfraquecido pela subnutrição; são as seqüelas deixadas pela alimentação insuficiente a impedir o aprendizado e a profissionalização; é a desnutrição que diminui a resistência às enfermidades; a perfuração de poços em busca de água, encontrada, apenas em terras de particulares influentes; são as medidas deficientes no que se refere à produção agrícola; é a política salarial a permitir que uma parte dos trabalhadores brasileiros não receba salários ou esse salário mínimo que mal dá para o sustento de uma pessoa; é a ida das crianças à escola, onde, apenas supostamente, aprendem alguma coisa, em busca de uma refeição que não existe em casa.

            São erros, são vícios, por vezes, verdadeiros crimes que marcam e marcaram sempre as relações sociais dos brasileiros. No seu dizer coloquial, de fala mansa, em que vez por outra, irrompe uma justa indignação, Nestor José Kaercher deixa sempre evidente a esperança de que seja exorcizado o mal que os originam. Mas, sem casa, sem comida, sem instrução não existirá, jamais, nesses que estão à margem de tudo, o que quer que seja de discernimento para deixá-los perceber as distorções que os aprisionam. Para gáudio dos que, verdadeiramente, são donos do país.

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