Ao apresentar O
florete e a máscara, Zahidé Lupinacci Muzart observa que, salvo exceções,
as dissertações de mestrado têm ficado inéditas e que, felizmente, não é esse o
caso do brilhante trabalho de pesquisa
de Valéria Andrade Souto-Maior. No entanto, o que talvez seja efetivamente para
lamentar é que uma boa parte das pesquisas, realizadas com o objetivo de
atender as exigências da carreira universitária, resultam em textos de
discutível qualidade e, sobretudo, distantes de temas que seriam de real
proveito para o país. Daí ser, O Florete e a máscara (Florianópolis,
Editora Mulheres, 2001), sem dúvida, um trabalho digno de nota. Pela
seriedade demonstrada na busca de um material – como soe acontecer sempre no
Brasil – de difícil acesso, pela sagacidade na análise do corpus escolhido, O
voto feminino, peça teatral escrita por Josefina Álvares de Azevedo, em
1891, e por oferecer, a partir dos resultados alcançados, inúmeras vertentes de
estudo sobre a dramaturgia brasileira escrita por mulheres.

O
florete e a máscara, além do Prólogo, “Para Repensar a Dramaturgia Feminina
Brasileira do Século XIX” em que Valéria Andrade Souto-Maior expõe o seu plano
de trabalho, inserido no propósito de recuperação
da história silenciada da produção literária feminina brasileira e as
dificuldades – tão conhecidas e tão previstas – em obter informações
bibliográficas e os textos junto às Instituições que se perdem, quase sempre,
em incontornáveis meandros burocráticos, se compõe de três capítulos. No
primeiro, “Ato I, O Peso de um nome, uma obra de Peso”, a Autora fornece os
dados que lhe foi possível conseguir sobre a biografia de Josefina Álvares de
Azevedo, na verdade, parcos e incertos, pois, conforme consta, enquanto não for
encontrado o seu registro de batismo não haverá certeza quanto ao local de seu
nascimento e a sua filiação; como, também, permanecem ignorados o seu estado
civil, os estudos que fez e o local e data de sua morte. Assim, o que sobre ela
é conhecido não vai além de sua atuação
como defensora ativa e incansável dos direitos das mulheres no Brasil. Tudo o
que fez, tudo o que escreveu e publicou – artigos, poesia, teatro, esboços
biográficos, traduções – foi, primordialmente, em função desse ideal maior o
que norteou todos os passos de sua trajetória: a emancipação social da mulher.
O
segundo capítulo, “Ato II, O Voto Feminino em Cena”, fará a análise de O
voto feminino, comédia em um ato, o único texto de dramaturgia de
Josefina Álvares de Azevedo, na qual ela reivindica para as mulheres um lugar
na sociedade que não seja apenas o subalterno, preconizado até então. No Rio de
Janeiro da época é onde se passa a ação, que se inicia com uma questão banal, a
minúscula diferença numa conta de armazém, da qual se origina uma discussão em
torno dos deveres e direitos da mulher. Valéria Andrade Souto-Maior examina
minuciosamente a linha de ação dramática, os personagens, que retratam certos tipos e hábitos da sociedade fluminense de seu tempo, a linguagem de
tom coloquial, corretamente adequado à
realidade cotidiana e com as
variantes próprias da expressão de distintos tipos sociais, o oportuno uso de
peças musicais, do gosto da época, a completarem o perfil dos personagens e o
conflito que se configura como o de um grupo contra outro grupo: o dos homens
que não admitem a emancipação feminina, temerosos de perderem seus amplos poderes fora e dentro de casa e o
das mulheres a se julgarem aptas para exercer atividades que, até então, lhe eram
vedadas. Também, examina as notas da
imprensa que a peça, antes mesmo de ser levada ao palco, originou. E a sua
estréia, com o teatro cheio, apesar da chuva, que embora tenha sido aplaudida,
não ocasionou uma segunda apresentação. Evidência de que as qualidades da peça
e o prestígio de quem a escreveu – Josefina Álvares de Azevedo foi fundadora, diretora e redatora de um dos
mais combativos e avançados jornais feministas surgidos na segunda metade do
século XIX, A Família – não foram suficientes para diluir ou
anular as reações negativas daqueles que, presos aos arraigados preconceitos então vigentes
na sociedade daquele final de século, não podiam aceitar o sucesso feminino
ou a audácia em expressar o que na época deveria ser calado.
Valéria
Andrade Souto-Maior diz do silêncio que passou a reinar em torno de O voto
Feminino e que ainda hoje perdura
como seu maior castigo e do próprio silêncio de Josefina Álvares de
Azevedo, no campo da dramaturgia a se configurar como um instigante enigma a ser decifrado.
Haja visto o
quanto a obra de Josefina Álvares de Azevedo e das outras mulheres brasileiras
escritoras ficaram ausentes da História da Literatura Brasileira, trazer à luz
os seus textos e as histórias de obstáculos em meio aos quais eles se
engendraram, não somente preenche uma lacuna como auxilia o estudo da ideologia
que dominou a produção artística no país e que permanece subjacente no silêncio
e nas críticas da produção feminina.



