A capa do livro, uma
ilustração de Londinsky-Pasternak, extremamente sugestiva: na metade inferior,
representada uma luxuriante vegetação tropical e muitos são os tons de verde.
Algumas flores, em rosa; um papagaio vermelho, um macaco sorridente a segurar
uma banana. Logo a seguir, um mar azul e, saindo do verde, o pau de sebo
colorido, alegre, sem segredos. Um homem está a escalar, visando o prêmio, lá
em cima: um uniforme, dinheiro e uma metralhadora. Sem dúvida, uma bela síntese
do romance de René Depestre, Le mât de cocagne, publicado pela
Gallimard, em 1979. Mas, na imagem de luz e de cores, de traços ingênuos e
risonhos, exatamente o contrário do romance: no melhor estilo, o preciso e
acabado retrato de uma ditadura.
A trama de Le
mât de cocagne é muito simples: Henri Postel, ex-senador, é condenado pelo
Poder vigente, a gerir um pequeno comércio no mais desolado subúrbio de Port au
Roi, denominação ficcional evidente para Port au Prince, capital do Haiti.
Alguma vez, ele havia dito a Zoocrate Zacharie, seu antigo contemporâneo na
Universidade, que vender coisinhas de comer ou quinquilharias atrás de um balcão
lhe resultaria o maior dos suplícios. Mais tarde, opondo-se ao Sistema, teve a
família cruelmente trucidada e o destino que mais lhe custaria: ser forçado, de
manhã à noite a trabalhar, atendendo pedidos de um pouco de milho ou de banha
de porco. Eis o preço a ser pago para continuar vivo. Porém, no momento em que
iria matar um esbirro do Sistema para
roubá-lo e, com o dinheiro, obter a liberdade no porão de um navio a
partir para o Canadá, decide participar da festa instituída pelo Sistema, a
subida no pau de sebo.
O que pensa
e o que faz para perseguir o seu objetivo irá constituir o relato. Como no
desenho da capa, a subida no pau de sebo se ancora num universo que deveria ser
um paraíso rodeado de mar azul mas que se mostra na degradação da cidade já há muito ardente de moscas e de
abjeções, pálida de pó e de ignomínias e que se tornara, sob a ditadura um circuito fechado de injustiças, roncando
de abusos e de prevaricações, roída de vergonhas e de impostos [..].
Aos
quarenta e nove anos, muitos deles,vividos no sofrimento pela perda da
família e pelo exílio que lhe foi
imposto de viver isolado no seu país não lhe sendo permitido ter nem mulher,
nem filhos, nem parentes, nem amigos, nem
companheiros, nem um animal doméstico,
Henri Postel não irá realizar a prova nessa tranqüilidade que os traços do
desenho deixam ver. Embora tivesse sido um bom esportista, alguns anos antes,
foi um homem um pouco pesado, inclinado para a frente, com os cabelos a
embranquecer que se dirigiu para tentar a primeira etapa da prova. Com a ajuda
que recebe de uns poucos e com a determinação, alimentada de raiva ávida e alegre refletida nos seus
olhos, chega ao topo do pau de sebo não
sem antes pagar, ainda, um tributo. Inesperado é o seu gesto de vencedor que
será seguido das truculências usuais das ditaduras.
E, nesse
descrever das misérias e das torturas, da conhecida e indefectível e total e
perene imbecilidade dos que detém o poder, René Depestre não poupa o seu texto
do burlesco e do caricatural. Mas, o verdadeiro exorcismo é o seu louvor à
vida, no momento lírico do romance, certamente um dos mais belos da expressão
amorosa do Continente.
Quando os
amigos ajudam Henri Postel a se preparar para o segundo dia da prova, fazendo-lhe a massagem nos músculos cansados, chega Elisa, o sol em toda a sua gloria ele diz ao vê-la. Descrita na esplêndida
beleza e magnetismo da mulher negra cuja carne,
inteira firme, plena, lírica,
ondulava, se inclinava, se arredondava na dança ritual em intenção da
vitória de Henri Postel que olha para ela fascinado: fazia muito tempo que ele não tinha visto uma chama tão bela ascender na sua noite de homem. É um
canto à vida que se eleva, repentino, do texto de René Depestre e que irá se
ampliar, belíssimo, nas sequências que descrevem o ritual em que do corpo de
Elisa, Henri Postal recebe a seiva e a força que o levarão à pretendida
vitória.
Antes disso
ele a havia chamado, com o coração batendo nas estrelas, de mulher jardim.

Nenhum comentário:
Postar um comentário