domingo, 11 de novembro de 2001

Desvario

            Sob a rubrica do Repertorio Latinoamericano, revista publicada em Buenos Aires, com o objetivo de integrar  pela cultura, veio à luz em janeiro deste ano, Memorias sobre Bolivia. Seu autor, Francisco Ricardo Bello, diplomata de carreira, reúne neste livro, lembranças de sua vivência como Secretário e como Conselheiro da embaixada Argentina em La Paz, na década de quarenta. E a essas lembranças acrescenta informações sobre o país e sua história, frutos de suas leituras como leitor infatigável que é.

            O primeiro capítulo, “Pais de  los contrastes”, trata da paisagem boliviana, as vezes inóspita e hostil e outras risonha e cálida e dos homens que a habitam. A eles e a sua maneira de ser  é  dedicado o segundo capítulo que empreende uma tarefa nada simples pois a Bolívia é constituída  de três zonas geográficas, perfeitamente delimitadas onde vivem homens que pertencem a três culturas diferentes e falam o seu próprio idioma. Além disso, como em todos os paises do Continente, os autóctones – quéchuas e aimarás- sofreram a presença do colonizador o que certamente, não é um ônus menor e nem facilita os relacionamentos. Embora Francisco Ricardo Bello considere que, face ao que teve que enfrentar, sejam as diferenças de cultura, sejam as forças telúricas, o problema não é do índio, mas do branco que deve vencer o meio e a possibilidade de se adaptar  moral, espiritual e mentalmente à idiossingrasia americana que o índio representa. Páginas antes, havia se referido à antiga educação dos Incas cuja ética comportamental poderia honrar qualquer povo que a endossasse e que se instituía, logo, uma presença na saudação matutina que, em vez de desejar um bom dia, aconselhava: Não sejas ladrão, não sejas mentiroso, não sejas covarde.

            No entanto, haja visto como foi sendo feita a História da Bolívia,  um suceder de lutas e traições a serviço de interesses duvidosos, é evidente que o branco soube muito bem se resguardar do nefasto que lhe seria se submeter a uma ética contraria aos  desígnios que alimentava. Desígnios que a se conhecer o ocorrido no Continente nestes anos todos, podem  ter dado ensejo a momentos dramáticos, injustos, imperdoáveis e, eventualmente, jocosos como o que aparece no sétimo capítulo de Memórias sobre Bolívia onde é relatado um dos feitos de Melgarejo. Ele sufocava revoluções e com o prestígio conseguido entre a tropa (era considerado um valente), um dia fez a sua própria revolução, assumindo o poder que exerceu, pela força, durante seis anos. Era admirador de Napoleão III e se considerava seu amigo. Ao saber da guerra franco-prussiana, num arrebato passional , diante  da tropa formada, e do alto de seu cavalo exortou: Soldados! A integridade da França está ameaçada pela Prússia. Quem ameaça a França, ameaça a civilização e a liberdade. Vou proteger os franceses que são nossos amigos e de quem gosto tanto. Vocês vem comigo atravessar a nado o oceano  mas cuidado, não deixem molhar as munições. Dito isto, deu ordem de marcha. Mas, naquele momento, caiu uma chuva torrencial e, dir-se-ia,  providencial pois refrescou-lhe a cabeça, deixando-a apta para aceitar as razões de seus ministros sobre uma tão atrevida e intrépida campanha.

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