Em
dezembro de 1997, se realizaram em Montevidéu, as jornadas sobre a vigência da
obra de Horacio Quiroga. O evento, organizado pelo Departamento de Literatura
Uruguaia e Latino-americana, reuniu vinte e sete especialistas cujos trabalhos
foram reunidos num volume – Actas de las jornadas en homenaje a Horacio
Quiroga, publicados, sem data de
edição, pela Universidade da República. Agrupados em seis tópicos (El texto
revisitado, Quiroga y el cine, El tópico del amor, Constucciones teóricas,
Sobre el Decálogo del Perfecto Cuentista, Otras aproximaciones) e, assinados
por críticos, professores e escritores,
como soe e deve acontecer, se constituem estudos de diferentes textos de
Horacio Quiroga, que se abrigam sob
enfoques metodológicos diversos. Um desses textos, de autoria de Carlos
Liscano, romancista com três livros
publicados ( El método y otros juguetes carcelarios, 1987; Memórias
de la guerra reciente, 1988; El camino de Ítaca ,1997) tem o
interesse de entrelaçar as reflexões de um narrador com os postulados teóricos
sobre a narrativa, de outro, no caso, exímio contista.Como introdução, uma
breve epígrafe em que ele explica ser o seu trabalho feito de intuições, convicções provisórias das quais estão ausentes as
afirmações com o embasamento científico que
sustenta o trabalho dos críticos.
Nas
primeiras linhas, Carlos Liscano reflete sobre o oficio de escrever que,
segundo ele, está determinado pela invenção
de si mesmo como escritor porque aquele que deseja escrever deve,
necessariamente, inventar o escritor que pretende ser. O que significa a
criação de uma pessoa que não existe, a sua voz, a obra que irá escrever e ser
constante na realização do ser que inventou.
A
partir dessas premissas, é que irá comentar as reflexões sobre o ofício de
escrever que Horacio Quiroga
registra em três textos: “Decálogo del cuentista perfecto”, “La retórica del
cuento”, “Ante el tribunal”.
O
“Decálogo del cuentista perfecto”, 1927, que uma primeira leitura faz crer de
extrema simplicidade, revela uma
concepção do conto que vai além dos próprios limites literários. Os quatro primeiros, se referem à arte em
geral; os que seguem, aconselham a narrativa concisa, que abstraia enfeites estilísticos ou digressões; e
nos dois últimos, torna às recomendações que se apresentam válidas para
qualquer expressão artística: não criar sob o signo da emoção e não pensar no
leitor no momento de escrever.
Na
“Retórica del cuento”, 1928, Horacio
Quiroga, hoje, considerado um dos mestres no gênero, dá mostras de insegurança,
referindo-se a sua técnica envelhecida e, acabando por concluir que já é tarde para
mudar a sua maneira de entender o relato e que assim sendo, tentará, pelo
menos, não torná-lo pior E, reafirma a sua idéia de que o conto curto é a forma
narrativa mais perfeita.
Em
“Ante el tribunal” 1930, o Horacio Quiroga, então com 52 anos, que se sente julgado e condenado pela
nova geração, os jovens iconoclastas do ultraismo reconhece que na juventude, se
levantou contra o passado literário com tanta violência quanto é atacado, mas
não se rende e replica, ironicamente, cada uma das críticas que lhe são feitas.
Nesse
expressar-se como retórico, Horacio Quiroga está procurando transmitir a sua
experiência como escritor, talvez se justificando, talvez se explicando. E
Carlos Liscano, nas linhas que lhe dedica,
considera que tais palavras são parte do processo da invenção do
escritor. Um processo, dir-se-ia , e
isto não é segredo para ninguém, que somente irá ter a sua significação quando acompanhado dessa força interior,
desse exprimir a inconteste verdade
individual, dessa capacidade em atingir a expressão estética desejada que é
apanágio dos grandes artistas. Na verdade
mistérios, como os muitos que envolvem a criação de um texto, que nunca
deixam de instigar os estudiosos da Literatura a desvendá-los:
indagações a envolver certezas. E certezas que são plenas de riscos.

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