domingo, 12 de agosto de 2001

Pensar a narrativa


            Em dezembro de 1997, se realizaram em Montevidéu, as jornadas sobre a vigência da obra de Horacio Quiroga. O evento, organizado pelo Departamento de Literatura Uruguaia e Latino-americana, reuniu vinte e sete especialistas cujos trabalhos foram reunidos num volume – Actas de las jornadas en homenaje a Horacio Quiroga,  publicados, sem data de edição, pela Universidade da República. Agrupados em seis tópicos (El texto revisitado, Quiroga y el cine, El tópico del amor, Constucciones teóricas, Sobre el Decálogo del Perfecto Cuentista, Otras aproximaciones) e, assinados por críticos, professores e escritores,  como soe e deve acontecer, se constituem estudos de diferentes textos de  Horacio Quiroga, que se abrigam sob enfoques metodológicos diversos. Um desses textos, de autoria de Carlos Liscano,  romancista com três livros publicados ( El método y otros juguetes carcelarios, 1987; Memórias de la guerra reciente, 1988; El camino de Ítaca ,1997)  tem  o interesse de entrelaçar as reflexões de um narrador com os postulados teóricos sobre a narrativa, de outro, no caso, exímio contista.Como introdução, uma breve epígrafe em que ele explica ser o seu trabalho feito de intuições, convicções  provisórias das quais estão ausentes as afirmações com o embasamento científico que sustenta o trabalho dos críticos.

            Nas primeiras linhas, Carlos Liscano reflete sobre o oficio de escrever que, segundo ele, está determinado pela invenção de si mesmo como escritor porque aquele que deseja escrever deve, necessariamente, inventar o escritor que pretende ser. O que significa a criação de uma pessoa que não existe, a sua voz, a obra que irá escrever e ser constante na realização do ser que inventou.

            A partir dessas premissas, é que irá comentar as reflexões sobre o ofício de escrever  que Horacio Quiroga registra  em três  textos: “Decálogo  del cuentista perfecto”, “La retórica del cuento”,  “Ante el tribunal”.

            O “Decálogo del cuentista perfecto”, 1927, que uma primeira leitura faz crer de extrema simplicidade, revela uma concepção do conto que vai além dos próprios limites literários.  Os quatro primeiros, se referem à arte em geral; os que seguem, aconselham a narrativa concisa, que abstraia enfeites estilísticos ou digressões; e nos dois últimos, torna às recomendações que se apresentam válidas para qualquer expressão artística: não criar sob o signo da emoção e não pensar no leitor no momento de escrever.

            Na “Retórica del cuento”, 1928,  Horacio Quiroga, hoje, considerado um dos mestres no gênero, dá mostras de insegurança, referindo-se a sua  técnica envelhecida e, acabando por concluir que já é tarde para mudar a sua maneira de entender o relato e que assim sendo, tentará, pelo menos, não torná-lo pior E, reafirma a sua idéia de que o conto curto é a forma narrativa mais perfeita.

            Em “Ante el tribunal” 1930, o Horacio Quiroga, então com 52 anos,  que se sente julgado e condenado pela nova  geração, os jovens iconoclastas do ultraismo reconhece que na juventude, se levantou contra o passado literário com tanta violência quanto é atacado, mas não se rende e replica, ironicamente, cada uma das críticas que lhe são feitas.

            Nesse expressar-se como retórico, Horacio Quiroga está procurando transmitir a sua experiência como escritor, talvez se justificando, talvez se explicando. E Carlos Liscano, nas linhas que lhe dedica,  considera que tais palavras são parte do processo da invenção do escritor. Um processo, dir-se-ia ,  e isto não é segredo para ninguém, que somente irá ter a sua significação  quando acompanhado dessa força interior, desse exprimir  a inconteste verdade individual, dessa capacidade em atingir a expressão estética desejada que é apanágio dos grandes artistas. Na verdade  mistérios, como os muitos que envolvem a criação de um texto, que nunca deixam de  instigar  os estudiosos da Literatura a desvendá-los: indagações a envolver certezas. E certezas que são plenas de riscos.  

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