Passava
o seu tempo com uns crochês vagarosos,
alguma costura leve, a leitura de folhetins, pequenos flirts e, dúbia, um quase namoro com Gilberto,
hóspede do hotel de sua mãe. E é no “Hotel Bons Ares” onde, ao levar a mãe para
se recuperar, que Alfredo a conheceu. A cada noite, na hora do jantar, entre os
comensais, de longe, entrevia-lhe o perfil,
cujos cabelos muito negros e
abundantes se destacavam num penteado harmonioso e complicado, em que se enrolavam fitas. Depois da sobremesa, saiam
todos para o jardim e Alfredo pensava que havia ido para visitar a mãe e que
não ficava bem deixá-la só para ir passear entre os canteiros mas o seu desejo
era ir no sulco do vestidinho claro de
Celina, que ele via errar como mimosa
faléia sob a amendoeira, sob o grande pé de manacá em flor, sumindo-se entre as folhagens daqui, dali
[...]. E, assim, sem perceber o leve riso
de zombaria que tivera no
primeiro encontro, ao vê-lo se ocupar da mãe doentia, como que lhe bastou esse
olhar que dela recebia, raio luminoso [...),
filtrando sonsamente por entre as pestanas baixas, [...] morno
e dúbio, dardejado por entre a sombra de uns cílios espessos para imaginar
um futuro a seu lado. Mas, à Celina não
bastou a simplicidade dos dias e a
vida rotineira e medíocre que lhe
oferecera e a fez sentir-se ludibriada: Não, deveras, a vida não lhe corria leve, nem jovial...Ah! não! Era uma
monotonia, um isolamento!”. E, então,
mostrar essa faceta de revolta que irá
se revelar nas palavras maldosas e agressivas dirigidas à sogra ( Estou acaso prisioneira nesta casa?...), ao
marido quando a vai buscar no hotel da mãe para onde fôra por uns dias ( Lá vamos outra vez para a tapera!...), à
irmã ( es uma oferecida, que levas a fazer olho a um rapas que mostra bem
não te querer...). Ou no olhar irritado, enviezado que lança á irmã ou que
esconde, errante sob os cílios descidos seus
sentimentos. Principalmente,
nesse arroubo de indisciplina que a leva, sem licença do marido para a casa da
mãe que, outra vez, hospedava Gilberto, já não mais o estudante pobre e mofino
que fora, mas um homem feito e rico. Ao saber que lhe cortejava a irmã, ele que
havia prometido amá-la sempre, e que,
ainda lhe faz juras de amor, enche-se de ciúme e, ao vê-los juntos,
sente-se ferida por uma ofensa grave. Sucumbe a um só desejo: separá-los e,
nesse momento, faz de menos o marido e os filhos. Quando porém, se depara com as verdadeiras
intenções de Gilberto – levá-la para viver com todo o conforto, num bairro
distante, oferecendo-lhe belos trajes e jóias e distrações – e a sua pressa em
dela tomar posse, não muito diferente daquela demonstrada por outro
hóspede, velho e rico, debate-se, desorienta-se, recua. Então, quando a sogra, que a fora buscar, fala do
amor do marido e das crianças e das
inequívocas razões da moral vigente – debaixo
do teto de teu marido está a salvação, está a honra, está a felicidade
garantida, chora muito e implora para ser levada de volta para casa.
Logo, diante do marido e do grito de alegria do filho ao tornar a vê-la, esqueceu tudo e num ímpeto bom de alívio, de
ternura, de remorso da sua loucura,
pediu perdão e prometeu não dar mais razão de queixa.
Redenção
e retorno ao bom caminho, isto é, ao seio da família de quem, na verdade, muito
pouco – ouvir galanteios, recebido um beijo – ou quase nada dele se afastara,
que deixará clara a intenção moralizante
de A Luta, estréia de Carmen Dolores (pseudônimo de Emília Moncorvo
Bandeira de Melo) no romance (Garnier,
1911), agora reeditado pela Mulheres de Florianópolis e EDUNISC de Santa Cruz
do Sul.
Abstraída,
porém, essa intenção, Celina e seus encantos – dentes de pérola, pescoço
delicado que movia com graça, discrição nos gestos e passos, silenciosa – que
por vezes se perdem no relato, se mostrará um personagem habilmente construído.
A princípio, esmaecida, nesta figura de sonsa,
dúbia, dona de um risinho abstrato de um sorriso um tanto sonso nos lábios
ambíguos, ao poucos vai deixando a sua vontade atuar e acaba por se sobrepor `a
virtude e à austeridade da sogra e à falta de escrúpulos e à leviandade da mãe cujas
vontades, parecem, a priori, conduzir a ação do romance.

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