É
sabido que ao morrer, Pablo Neruda deixou oito livros inéditos de poesia. Mal
dois meses se tinham passado desse aziago mês de setembro de 1973 para os
chilenos, a Losada, de Buenos Aires, já publica El mar y las campanas que, em menos de um ano terá sua edição
esgotada. Fazem parte dele, quarenta e nove poemas, muitos dos quais o poeta
nem teve tempo de lhes dar um título. Para nominá-los, a editora optou por usar
o primeiro verso, ou parte dele, entre colchetes. É o caso de “Yo me llamaba
Reyes...” em que Pablo Neruda começa
lembrando seu verdadeiro sobrenome, o recebido
do pai e abandonado, em 1920, pelo pseudônimo que adotou. Tinha, dezesseis anos e além de seus versos criou,
também, como diz Emir Rodriguez Monegal,
não somente poesia, mas o próprio poeta, ao perceber-se um homem convicto da vocação que lhe foi
outorgada e à qual se submete como é preciso se submeter aos fados: a
cumplir con mi tierra y con los mios, como escreverá, mais tarde, em Navegaciones
y regresos. Fados que
explicarão, nos versos de “Yo me llamaba Reyes...” ,um nascimento em meio à
pobreza e à derrota:Yo fui depositado / en la hojarasca: / se hundió
el recién nacido / en la derrota y en el nacimiento / de selvas que caían/ y casas pobres que recién lloraban. E o
ter recebido, numa só vez, todos os nomes e todos os sobrenomes – árvores e
trigo – que remetem ao desejo que nele
sempre existiu, e muitos de seus versos o comprovam: soy el árbol de enero ou, soy solo tierra de Navegaciones
y regresos, Yo soy este desnudo /
mineral de Las piedras del cielo, de se constituir parte dos
reinos da natureza. Nos versos de “Yo me
llamaba Reyes...” sua humildade se
mostra, como a soberba, verdadeira e
necessária num sentir antagônico: por eso
soy tanto y tan poço, / tan multitud
y tan desamparado que, igualmente, faz pensar em outras
expressões do poeta ao oferecer a sua voz aos pobres, aos perseguidos, aos
humilhados ( yo vengo a hablar por vuestra boca muerta do Canto General) aos quais,
muitas vezes, se iguala ( Porque donde no tiene voz um hombre / allí, mi
voz. Donde los negros sean apaleados ,/
yo no puedo estar muerto./ Cuando entren en la cárcel mis
hermanos / estaré yo con ellos. de Los versos del capitán).
Nos
dois últimos versos do poema, a explicação destas antíteses que os
antecedem, porque vengo de abajo /de
la tierra, onde, a idéia de
pertencer às classes populares ( que as elites costumam designar pelo adjetivo
baixas) se reafirma com a expressão da
terra. Expressão que neutraliza o que de pejorativo exista em venho de baixo, ao conter esse significado, liricamente
pleno que é sempre o que Pablo Neruda lhe confere nos seus
poemas: Mi pacto con la tierra, ou palpitó la tierra, ou fragancia secreta de la tierra do Memorial
de Isla Negra por exemplo. Ou, engrandecida pela
inconfundível visão de mundo solidária
do poeta: tierra[..]),madre fecunda, / madre del pan y del hombre / pero
/ madre de todo el pan y de todos los hombres de Navegaciones y
regresos.
Assim,
embora Pablo Neruda use um verbo no passado ( Yo me llamaba Reyes) para
falar do nome paterno que repudiou para poder assumir o seu caminho de poeta e
de verbos no passado para falar de seu nascimento, ao se definir, neste poema
feito já no fim da vida, usa o verbo no presente, por eso soy tanto y tan
poco / tan multitud y tan desamparado, para retornar às origens. Não as renega por
humildes, como tampouco se despoja dessa assunção – ser todos os homens – que
lhe determinou, numa teimosa fidelidade a si mesmo, a rota de seus dias.
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