domingo, 1 de julho de 2001

Venho da terra


            É sabido que ao morrer, Pablo Neruda deixou oito livros inéditos de poesia. Mal dois meses se tinham passado desse aziago mês de setembro de 1973 para os chilenos, a Losada, de Buenos Aires, já publica El mar y las campanas  que, em menos de um ano terá sua edição esgotada. Fazem parte dele, quarenta e nove poemas, muitos dos quais o poeta nem teve tempo de lhes dar um título. Para nominá-los, a editora optou por usar o primeiro verso, ou parte dele, entre colchetes. É o caso de “Yo me llamaba Reyes...” em que  Pablo Neruda começa lembrando  seu verdadeiro sobrenome, o  recebido  do pai e abandonado, em 1920, pelo pseudônimo que adotou. Tinha,  dezesseis anos e além de seus versos criou, também, como diz Emir Rodriguez Monegal,  não somente poesia, mas o próprio poeta, ao perceber-se  um homem convicto da vocação que lhe foi outorgada e à qual se submete como é preciso se submeter aos fados: a cumplir con mi tierra y con los mios, como escreverá, mais tarde, em Navegaciones y regresos. Fados que explicarão, nos versos de “Yo me llamaba Reyes...” ,um nascimento em meio à pobreza e à derrota:Yo fui depositado / en la hojarasca: / se hundió el recién nacido / en la derrota y en el nacimiento / de selvas que caían/  y casas pobres que recién lloraban. E o ter recebido, numa só vez, todos os nomes e todos os sobrenomes – árvores e trigo – que remetem  ao desejo que nele sempre existiu, e muitos de seus versos o comprovam: soy el árbol de  enero ou, soy solo tierra de Navegaciones y regresos, Yo soy este desnudo /  mineral de Las piedras del cielo, de se constituir parte dos reinos da natureza. Nos versos  de “Yo me llamaba Reyes...”  sua humildade se mostra, como a soberba, verdadeira  e necessária num sentir antagônico: por eso soy tanto y tan poço, / tan multitud y tan desamparado  que, igualmente, faz pensar em outras expressões do poeta ao oferecer a sua voz aos pobres, aos perseguidos, aos humilhados ( yo vengo a hablar por vuestra boca muerta  do Canto General) aos quais, muitas vezes, se iguala ( Porque donde no tiene voz um hombre / allí, mi voz. Donde los negros sean apaleados ,/  yo no puedo estar muerto./ Cuando entren en la cárcel mis hermanos / estaré yo con ellos. de Los versos del capitán).

            Nos dois últimos versos do poema, a explicação destas antíteses que os antecedem,  porque vengo de abajo /de la tierra, onde,  a idéia de pertencer às classes populares ( que as elites costumam designar pelo adjetivo baixas)  se reafirma com a expressão da terra. Expressão que neutraliza o que de pejorativo exista em  venho de baixo,  ao conter esse significado, liricamente pleno  que é sempre  o que Pablo Neruda lhe confere nos seus poemas: Mi pacto con la tierra, ou palpitó la tierra, ou  fragancia secreta de la tierra do Memorial de Isla Negra por exemplo. Ou,  engrandecida pela inconfundível visão de mundo solidária  do poeta: tierra[..]),madre fecunda, / madre del pan y del hombre / pero / madre de todo el pan y de todos los hombres de Navegaciones y regresos.

            Assim, embora Pablo Neruda use um verbo no passado ( Yo me llamaba Reyes)  para falar do nome paterno que repudiou para poder assumir o seu caminho de poeta e de verbos no passado para falar de seu nascimento, ao se definir, neste poema feito já no fim da vida, usa o verbo no presente, por eso soy tanto y tan poco / tan multitud y tan desamparado,   para   retornar às origens. Não as renega por humildes, como tampouco se despoja dessa assunção – ser todos os homens – que lhe determinou, numa teimosa fidelidade a si mesmo, a rota de seus dias.

           

Nenhum comentário:

Postar um comentário