domingo, 8 de julho de 2001

Margarida

            Acaba de ser publicado pela Editora Mulheres de Florianópolis, em parceria com a EDUNISC de Santa Cruz do Sul, A Luta,  cuja primeira edição, pela Garnier do Rio de Janeiro, data de 1911. Foi o primeiro romance  de Carmen Dolores, pseudônimo de Emília Moncorvo Bandeira de Mel,  após um longo trajeto literário, iniciado em 1897 com um livro de contos, Gradações e no qual abundam as crônicas e incursões na crítica literária. Daí, ser sem dúvida, surpreendente, a qualidade deste seu relato no que diz respeito à estrutura romanesca, à construção dos personagens e às breves descrições da natureza,  entrelaçadas ao enredo, exemplarmente, inscrito  num cotidiano sem presas. 

            Em Escritoras brasileiras do Século XIX ( Editora Mulheres  e EDUNISC, 1999), no texto que lhe é dedicado, Eliane Vasconcellos diz que as crônicas que publicou , ao longo dos anos,  podem ser vistas como documentos de uma  época, pois ela fixa imagens do cotidiano, expõe idéias e defende opiniões [...]. No seu romance também é assim. Há um breve idílio entre Alfedo e Celina. Ele, filho de mãe viúva e ela, de uma dona de pequeno hotel suburbano. Casada sem grandes entusiasmos amorosos, Celina se deixa tentar pela perspectiva de viver um grande amor fora do casamento. Para impedir a infelicidade do filho, Margarida a convence de voltar  para casa para a qual não retornara da ida ao dentista, movida por um impulso de ciúme ao ver a irmã com o namorado que tivera antes de casar e a levara, de volta, para a casa da mãe.

            Obedecendo a um feminismo  de  meias medidas, como diz Eliane Vasconcellos no já citado trabalho, a figura da boa mãe de família ainda é forte em seus escritos  e Margarida Galvão é disso o retrato. Infeliz mãe de cinco filhos mortos é muito grande e possessivo o amor que dedica ao que lhe resta: Alfredo. Triste a amorosa são os dois traços que, sobretudo, a definem e que lhe desenham o físico e lhe dirigem os atos.

            Margarida é velha, tem os cabelos brancos, a face franzida e severa, o rosto amarelecido, os olhos biliosos e de pupilas penetrantes, o busto magro, os joelhos anquilosados, perros, doridos, a mão emagrecida, os dedos nodosos. Inteligente, lúcida, severamente econômica, melancólica e carrancuda, austera, distinta e cheia de preconceitos¸é incapaz da mínima maldade. Aos olhos do filho, ela é  mãe excelente, verdadeira santa, excelente e digna.  E a nora, embora a sentir que os dias sempre iguais, pesados, lentos se arrastam sob o seu mando, direção e ensinamentos, senhora de tudo, tem-lhe respeito, se cala diante dela, diante de sua envergadura moral muito superior à da sua própria mãe.

            Na verdade, a lucidez de Margarida  lhe permite  desconfiar dessa nora de dezoito anos que  não entende e que procura agradar, levando-lhe uma fruta ou um doce; ou entreter com historias de um sentimentalismo que não é por ela entendido. Sendo mãe de seus netos e querida de seu filho,  dela releva as más respostas, a indolência e o ar de fastio que exibe.Também certas atitudes imprevistas – sair sem licença do marido e sem ser acompanhada –que, trêmula, a balbuciar desculpas,  para evitar desavenças, ela tenta fazer o filho entender.

            Assim, quando a nora, levando a filha, volta para a casa da mãe, embora triste e ralada  de ciúme, decide ir buscá-la, pondo a felicidade do filho antes de tudo, como o fizera no dia em que  lhe pedira permissão para casar.  Ficara mais rígida e lívida do que  de costume, com um tremor na face, tentando falar a linguagem da razão -  diferenças de educação e de hábitos, desconhecimento da verdadeira natureza de Celina -  mas ao se dar conta  de que perderia o filho se quisesse impedi-lo, triste e abatida, um véu de pranto a obscurecer-lhe a vista, cedeu.

            Passados cinco anos, outra vez, transige diante da tristeza do filho. Sufoca a raiva que por vezes irrompe, vence o ciúme que sabe egoísta  e decide até   desaparecer da vida do filho para que volte a ser feliz. Porque ao vê-lo a cair de debilidade e dor, com os meigos olhos suplicando-lhe apoio, ternura, consolo, e remédio  o seu orgulho  é vencido e ela promete trazer-lhe a  mulher, de volta.  E o f az.

            Embora velha (assim é chamada, várias vezes, pela romancista) e doentia, Margarida é um personagem marcado pela  virtude e, se algum defeito possui ele se neutraliza diante do amor que nutre pelo filho. Por ele se mostra forte quando julga ser necessário agir em prol de sua felicidade que é a felicidade inscrita na ordem familiar.

            E é essa ordem que  defende a autora, evidente, também, no desenlace do conflito entre Alfredo e Celina, outra vez, juntos a deixarem para trás a luta de  princípios, de educação e de caracteres que Margarida vencera, abandonando-lhes os louros. Porque a ela, pobre velha, viúva e solitária só restava, então, no dizer cruel desta romancista  da primeira década do século vinte, apenas a única solução natural àqueles que terminaram o seu papel ativo neste mundo: morrer.

           

Nenhum comentário:

Postar um comentário