Acaba
de ser publicado pela Editora Mulheres de Florianópolis, em parceria com a
EDUNISC de Santa Cruz do Sul, A Luta, cuja primeira edição, pela Garnier do Rio de
Janeiro, data de 1911. Foi o primeiro romance de Carmen Dolores, pseudônimo de Emília
Moncorvo Bandeira de Mel, após um longo
trajeto literário, iniciado em 1897 com um livro de contos, Gradações e
no qual abundam as crônicas e incursões na crítica literária. Daí, ser sem
dúvida, surpreendente, a qualidade deste seu relato no que diz respeito à
estrutura romanesca, à construção dos personagens e às breves descrições da
natureza, entrelaçadas ao enredo,
exemplarmente, inscrito num cotidiano
sem presas.
Em
Escritoras brasileiras do Século XIX ( Editora Mulheres e EDUNISC, 1999), no texto que lhe é
dedicado, Eliane Vasconcellos diz que as crônicas que publicou , ao longo dos
anos, podem ser vistas como documentos de uma
época, pois ela fixa imagens do cotidiano, expõe idéias e defende
opiniões [...]. No seu romance também é assim. Há um breve idílio entre
Alfedo e Celina. Ele, filho de mãe viúva e ela, de uma dona de pequeno hotel
suburbano. Casada sem grandes entusiasmos amorosos, Celina se deixa tentar pela
perspectiva de viver um grande amor fora do casamento. Para impedir a
infelicidade do filho, Margarida a convence de voltar para casa para a qual não retornara da ida ao
dentista, movida por um impulso de ciúme ao ver a irmã com o namorado que
tivera antes de casar e a levara, de volta, para a casa da mãe.
Obedecendo
a um feminismo de meias
medidas, como diz Eliane Vasconcellos no já citado trabalho, a figura da boa mãe de família ainda é forte em seus
escritos e Margarida Galvão é disso
o retrato. Infeliz mãe de cinco filhos mortos é muito grande e possessivo o
amor que dedica ao que lhe resta: Alfredo. Triste a amorosa são os dois traços
que, sobretudo, a definem e que lhe desenham o físico e lhe dirigem os atos.
Margarida
é velha, tem os cabelos brancos, a face franzida e severa, o rosto amarelecido,
os olhos biliosos e de pupilas penetrantes, o busto magro, os joelhos anquilosados, perros, doridos, a mão
emagrecida, os dedos nodosos. Inteligente, lúcida, severamente econômica,
melancólica e carrancuda, austera, distinta e cheia de preconceitos¸é incapaz
da mínima maldade. Aos olhos do filho, ela é mãe
excelente, verdadeira santa, excelente
e digna. E a nora, embora a sentir
que os dias sempre iguais, pesados,
lentos se arrastam sob o seu mando, direção e ensinamentos, senhora de tudo, tem-lhe respeito, se cala
diante dela, diante de sua envergadura
moral muito superior à da sua própria mãe.
Na
verdade, a lucidez de Margarida lhe
permite desconfiar dessa nora de dezoito
anos que não entende e que procura
agradar, levando-lhe uma fruta ou um doce; ou entreter com historias de um
sentimentalismo que não é por ela entendido. Sendo mãe de seus netos e querida
de seu filho, dela releva as más
respostas, a indolência e o ar de fastio que exibe.Também certas atitudes
imprevistas – sair sem licença do marido e sem ser acompanhada –que, trêmula, a
balbuciar desculpas, para evitar
desavenças, ela tenta fazer o filho entender.
Assim,
quando a nora, levando a filha, volta para a casa da mãe, embora triste e ralada de
ciúme, decide ir buscá-la, pondo a felicidade do filho antes de tudo, como
o fizera no dia em que lhe pedira
permissão para casar. Ficara mais rígida
e lívida do que de costume, com um
tremor na face, tentando falar a linguagem da razão - diferenças de educação e de hábitos,
desconhecimento da verdadeira natureza de Celina - mas ao se dar conta de que perderia o filho se quisesse impedi-lo,
triste e abatida, um véu de pranto a
obscurecer-lhe a vista, cedeu.
Passados
cinco anos, outra vez, transige diante da tristeza do filho. Sufoca a raiva que
por vezes irrompe, vence o ciúme que sabe egoísta e decide até
desaparecer da vida do filho para que volte a ser feliz. Porque ao vê-lo
a cair de debilidade e dor, com os meigos
olhos suplicando-lhe apoio, ternura,
consolo, e remédio o seu
orgulho é vencido e ela promete
trazer-lhe a mulher, de volta. E o f az.
Embora
velha (assim é chamada, várias vezes, pela romancista) e doentia, Margarida é
um personagem marcado pela virtude e, se
algum defeito possui ele se neutraliza diante do amor que nutre pelo filho. Por
ele se mostra forte quando julga ser necessário agir em prol de sua felicidade
que é a felicidade inscrita na ordem familiar.
E
é essa ordem que defende a autora,
evidente, também, no desenlace do conflito entre Alfredo e Celina, outra vez,
juntos a deixarem para trás a luta de
princípios, de educação e de caracteres que Margarida vencera,
abandonando-lhes os louros. Porque a ela, pobre
velha, viúva e solitária só restava, então, no dizer cruel desta
romancista da primeira década do século
vinte, apenas a única solução natural
àqueles que terminaram o seu papel ativo
neste mundo: morrer.

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