Mário
Quintana, nascido em 1906, em Alegrete, com pouco mais de vinte anos, foi morar
em Porto Alegre. Preso, no entanto, ficou às primeiras imagens e emoções que se
lhe ofereceram nesses seus primeiros anos e que estarão presentes, ao longo de
seu viver poético: ruelas, casas antigas, um luar, folhas iluminadas, a frase
de uma velha tia, vozes atrevidas de moleques de rua. Um mundo que ficou para
trás mas, sempre a conviver com esse outro, de cidade grande que, na sua
transformação, vai se fazendo matéria inóspita. Alguns de seus textos do
“Caderno H”, publicados no “Caderno de Sábado” (Correio do Povo de Porto Alegre), entre 13 de março de 1971 e 1º
de março de 1973, dizem de seu olhar que descobre a luz e cor, um som
inesperado que parecem não ter lugar de acolhida na insensibilidade da urbe
moderna.
Em
“Urbanismo”, ele se pergunta que melhor
ornamentação caberia às cidades metálicas
senão o cactus que, além do mais, é tão adequadamente
cacofônico. Na “Elegia em cinza”, ao constatar que nas cidades de puro cimento a palavra folha tem menos significado que
um fantasma e, então, só resta o vento e o apelo para que Deus faça uma de suas
mágicas, ao menos para colorir o vento. E, pungente, na sua síntese,
soberana, “Esvaziamento”: Cidade grande:
dias sem pássaros, noites sem
estrelas. Por vezes, abandona generalizações para lamentar ser privado do
crepúsculo de Porto Alegre, de uma beleza
pungente até o grito. Num dizer de brincadeira de criança, Cadê o crepúsculo?/ - O gato comeu., entremeia o testemunho irrefutável
que anula o mágico existente nesse dizer: O
gato se chama arranha-céu. E, não deixa de notar que essa palavra também,
ao que parece, se encontra em desuso. Até porque, dir-se-ia, talvez os
arranha-céus tenham perdido o encanto ao se amontoarem para se transformar
nessa selva de pedra, horizonte mesquinho, a se erigir nas cidades. E, também,
mais do que privá-lo do pôr do sol sobre o Guaíba, esse tipo de habitat irá
fazer com que perceba, já nesses idos de 1972, a incongruência que significa. Num
texto que tem por título “Trecho de uma História”, o poeta
imagina dizeres de uma História Universal, editada no século XXXIII: Os
homens do Século Vinte, talvez por motivos que só a miséria explicaria,
costumavam aglomerar-se desconfortavelmente em enormes cortiços de cimento.
Alguns atribuem o fato a não se sabe que misterioso pânico ao simples contato
da natureza; mas isso é matéria de ficcionistas, místicos e poetas... O
historiador sabe apenas que chegou a haver, em certas grandes áreas, conjuntos
de cortiços erguidos lado a lado sem o suficiente espaço e arejamento, que
poderiam alojar vários milhões de indivíduos. Era, por assim dizer, uma vida de
insetos – mas sem a segurança que apresentam as habitações construídas por
estes.
No
entanto, o poeta, ao se dar conta das ausências e do lúgubre que podem resultar em certas escolhas urbanísticas, não se deixa, na verdade, vencer pela lamúria e
descobre nos arranha-céus, aqui e ali,
uma janelinha [...] perdida... sugerindo humanas presenças, isoladas na
noite vazia da cidade; e uma casinhola, pequena, lá no alto, que, no seu dizer,
é habitada pelo zelador da Lua.
E, assim, persiste no seu poetar a imagem da cidade, mesclada
a seus devaneios e presente na sua real dimensão nem sempre feita de encantamentos.
Espaço, no entanto, onde, ainda, pode existir motivo para a emoção. Seja tão
singela quanto ouvir, vindo lá do fundo de um terreno baldio, esse grilo,
teimando em transmitir, na sua frágil
Morse de vidro não se sabe que misteriosa mensagem às estrela ausentes.




