Assim como a mansa demência, a doce obsessão de Maria Rosa, personagem de Hijo de Hombre (Buenos Aires, Losada, 1960), igualmente a loucura
de Maria Aquina, personagem de Luz do
abismo ( Recife, Bagaço, 1996) se relaciona com o Cometa Halley. Em 1910,
quando de sua penúltima passagem, consta
que a imensa cauda chegou a atingir trinta milhões de quilômetros.
Para os habitantes do povoado
paraguaio esse interminável rastro de fogo era o anúncio resplandecente do fim do mundo. Foi nesse tempo de medo e
de seca que encontraram Gaspar Mora morto, perto do leito sem água do riacho. Maria
Rosa, o havia procurado, em vão, e nessa busca se perdera no mato, a tristeza
lhe extraviando a alma, na certeza de que ele fora levado pelo Cometa e que o
Cometa o iria trazer de volta.
No
romance de Maria Cristina Cavalcanti de Albuquerque, a loucura de Maria Aquina
começou a se mostrar ao aparecer, no céu, o Cometa. Assim o diz Dona, a
narradora, que antes de contar sobre a prima, se detém a descrevê-lo: Quando ele se mostrava completamente, cobria
o céu como o rabo de um pavão encantado. Sua cabeça erguia-se ao norte do
horizonte, indecisa e pesada. Nela não se via maior beleza. Mas, pouco a pouco,
à medida que ia escurecendo, ele começava a acender a cauda até o meio do céu,
derramando-se em luminosidade e cor. Abria seu leque esplêndido e
fantasmagórico. O poente ficava completamente irisado com sua presença,
destacando fortemente os crepúsculos que se formavam. Quando as duas luzes se
encontravam – a do sol, retirando-se grave e decadente, e a do cometa que se
acendia renovado e brincalhão – assistia-se a um fugaz momento de beleza quase
sobrenatural. Um véu de noiva foi o que nessa beleza viu Maria Aquina. Porém,
ao escutar a frase que se quer
espirituosa, dita pela sua prima, Casamento
e mortalha no céu se talha, nela se deixa envolver para vislumbrar o futuro
que irá enovelar no Cometa: - Pois assim
será no dia de minha morte. Despida. Nua. Apenas envolta no seu véu.
Eternamente noiva do cometa. Viajando com ele por seu infinito. Incompleta e
libertada. Meu véu de noiva! Minha mortalha! Perseguindo esse desejo – corria nua em busca do horizonte –
viu-se privada de viver. Pela família, cheia de vergonha, foi trancafiada num
quarto e, para impedir que batesse na porta, a cobriram de pregos pontudos.
Depois, lhe acorrentaram os pés. Morta, vestiram-na com reles seda rala, pobre mortalha roxa indigna de quem
desejara ser enterrada envolta no rastro
de um cometa.
Subjugada,
Maria Rosa, à pobreza e à solidão, ela vive, somente, na espera insana dessa
volta impossível do homem que ama; prisioneira, Maria Aquina, dos preconceitos
de uma família que se quer de elite, pretende outra vida e não aquela que lhe
traçaram. Reais ou inventadas por escritas tão díspares – no espaço, no tempo,
nas intenções – que as fizeram personagens de ficção, elas se assemelham ao
buscar refúgio na grandiosa luz do Cometa. E nesse incomensurável desamparo a conduzi-las
à louca esperança de ser feliz.



