Omar
Prego Gadea, no romance Delmira (Montevideu,
Alfaguara, l996), ao seguir os passos da poetisa uruguaia, nos seus últimos
dias de vida, prendeu-se a um punhado de papéis, à lembrança no coração de
alguns, à imagens que fixaram o fugidio de um instante.
Ao
se deter nessa foto de Delmira Agustini, se esquiva de precisões – deve ser
verão ou primavera porque não há folhas secas na grama e brancas ou amarelas
parecem ser as flores que enchem a sebe e, provavelmente, de poesia, o livro
que Delmira tem nas mãos. E, também, provavelmente, foi a poucos metros dela,
que o fotógrafo instalou o seu tripé para se esconder sob o pano preto que o
protege para operar sem temor no seu
reduto inacessível à luz e observar esse mundo ao contrário [...]. O romancista lhe fixa o gesto que fará
com que o diafragma se abra e se feche num rápido instante para dar passagem à luz, às formas, às sombras [...] que irão
mostrar Delmira como ela, talvez, o tenha desejado, entregue à paz de estar
sozinha, um livro aberto entre as mãos. Ela era jovem e, anos depois, foi
encontrada morta, num quarto barato de pensão, ao lado do ex-marido agonizante.
Conjecturas, invenções, falsidades estiveram presentes nos relatos e crônicas
que noticiaram o fato e, desejando, quem
sabe limpar a lembrança de sua amiga de tantas torpezas, Alberto Zum Felde,
respeitado critico literário, escreveu o que o romancista define como uma espécie
de oração fúnebre na qual afirma que os jornais, ao encherem as páginas
para informar sobre o crime do qual Delmira fora vítima, não tiveram respeito,
nem piedade na busca de um sensacionalismo
realista no qual a parte mais odiosa
coube à fotografia.
O
romancista opta por descrever uma delas em que a poetisa aparece num ignóbil primeiro plano, estendida no chão, com o rosto para o teto. Tirada de um
ângulo no qual a desordem dos cabelos parece invadir o olho procaz da câmara, mostra um de seus braços alongados
no chão ensangüentado, o outro sobre o peito e as pernas um pouco dobradas.
Nenhum outro detalhe lhe interessa. No entanto, na busca de apreender os
enigmas dessa vida sobre a qual se debruça, se permite imaginar a serenidade
que, morta, Delmira Agustini parece invocar e que, talvez, se deva à postura desinteressada de ausência, escolhida para esperar a morte,
essa morte trágica, por ela pressentida desde a infância cujo rosto
esquivo tinha aprendido a conhecer e a tolerar ou admitir.
Estabelece, assim, e, fortemente,
um laço entre a imagem que vê e o que pensa ser verdadeiro: essa espécie de
visão fatalista da vida que ele atribui à poetisa. O que foi e o que poderia
ter sido, se entrelaçam, então, nesse atribuir de significados, exigidos pela
sua elaboração ficcional, aos retratos de Delmira Agustini, que, no entanto,
permanecem no limite difuso de sua enigmática história. Instrumentos de fixação
da memória, esses retratos, ao mesmo tempo que permitem a fabulação emocionada
e soberana de Omar Prego Gadea, também a ele se negam a liberar os seus
segredos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário