Um
ancião, cabeleira e barba branca, sobre uma pobre cadeira está sentado, numa
tarde do ano de 1850, numa chácara paraguaia, nos arredores de Assunção. Seus
olhos, tristes e claros, fixos no profundo azul do céu, semicerrados e
sonhadores vêem muitas coisas. Rubem
Dario.
Era dono de
quatrocentos e setenta mil quadras de campo quando volta a sua vida de soldado,
lançando-se à aventura de libertar a
Banda Oriental do Uruguai do domínio espanhol. Tarefa ingrata não somente pelos
inúmeros sangrentos combates enfrentados
mas, sobretudo, pelas traições e dissidências que lhe interceptaram os passos e
o conduziram ao exílio. Porque o exílio foi o que lhe restou ao se ver sozinho junto
a um punhado de valentes perseguidos como
feras. Numa última esperança, pede
abrigo ao governo paraguaio. E no seu cavalo picaço, sem mais haveres do que a
amizade dos dois únicos homens, Manuel Martínez e Joaquim Lencina que lhe foram
fiéis e o seguiram até o fim, atravessa as águas do Itapua e em meio à poeira
vermelha que se levanta no caminho, traça o seu destino.
José Artigas tinha cinqüenta e seis anos e os
cabelos grisalhos quando, num pequeno povoado perdido em meio à florestas tropicais, iria iniciar uma
vida nova, arando o campo, plantando
feijão, milho e mandioca. E, na pobreza e na solidão, passam-lhe os anos até
esse dia 23 de setembro de 1850 em que, aos oitenta e seis anos, morre na terra
alheia que já não quisera abandonar.
Para trás, esquecidas e repudiadas, as suas medidas revolucionárias,
promulgadas quando governava a província Oriental e entre as quais uma das mais
importantes, a de 10 de setembro de 1815
que dispunha sobre a repartição das terras.
Conforme
consta no livro de Carlos Machado, Historia
de los orientales (Montevideo, Ediciones de la Banda oriental, 1972), sob o sugestivo título “Para o fomento do
campo e segurança de seus estancieiros”,
as partilhas eram regidas por normas: que aos mais pobres fossem oferecidos maiores
privilégios; que tendo recebido terras o
beneficiado era obrigado a nela estabelecer construções e currais; que não
podiam as terras serem vendidas nem hipotecadas.
Um
dia antes, José Artigas tinha decretado outra medida regulamentadora dos
procedimentos aduaneiros: taxa de vinte e cinco por cento (variando para
determinados produtos entre quinze e quarenta por cento) para as importações,
sendo que para os produtos da América (erva, fumo, trigos e farinhas, ponchos e
aperos de cavalo, passas e nozes, algodão) a taxa seria de quatro por
cento. Isentas, as máquinas, instrumentos de ciências e
artes, livros, medicamentos, armas brancas e de fogo, o ouro e a prata. Sete
meses depois, outras medidas irão orientar
o comércio nos portos da província que somente poderá ser praticado pelo que
denomina americanos isto é, os naturais da terra em oposição aos espanhóis,
ingleses e franceses. Também,
determinar que toda a fábrica de sebo ou outra produção do país, seja de
propriedade dos naturais assim como a compra e produtos do país. E que devem
ser fechadas todas as fábricas que estejam nas mão de estrangeiros, assim como
os armazéns e a lojas cuja propriedade deve ser, exclusivamente, dos filhos da
terra.
Evidentemente, pouco demorou para que tivessem início as tramóias que, do interior da
Província e fora dela, lhe minassem as forças e
o levassem ao fracasso. Num esforço ingente – e batalhas, e combates e
escaramuças – lutou José Artigas durante quatro anos. E, nas
nascentes do Tacuarembó foi que ocorreu, no dia 22 de janeiro de 1820, a sua
última e definitiva derrota.
Porque,
é óbvio, que os seus excessos
nacionalistas (veremos nossos países
satisfazendo a ambição dos estrangeiros se não lhe obstruirmos os passos que
lhes estão sendo franqueados) não podiam
ter guarida num Continente que sempre foi terra de ninguém ou do mais forte.
Aprendeu
dos ventos do campo, do ensinamento da Natureza, a justa liberdade. Sua alma se
alimentou de luz livre; seu coração, de nobreza; seu braço de força. Rubem Dario.
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