domingo, 10 de setembro de 2000

José Artigas.


Um ancião, cabeleira e barba branca, sobre uma pobre cadeira está sentado, numa tarde do ano de 1850, numa chácara paraguaia, nos arredores de Assunção. Seus olhos, tristes e claros, fixos no profundo azul do céu, semicerrados e sonhadores vêem muitas coisas. Rubem Dario. 

            Era dono de quatrocentos e setenta mil quadras de campo quando volta a sua vida de soldado, lançando-se  à aventura de libertar a Banda Oriental do Uruguai do domínio espanhol. Tarefa ingrata não somente pelos inúmeros  sangrentos combates enfrentados mas, sobretudo, pelas traições e dissidências que lhe interceptaram os passos e o conduziram ao exílio. Porque o exílio foi o que lhe restou ao se ver sozinho junto a um punhado de valentes perseguidos como feras.  Numa última esperança, pede abrigo ao governo paraguaio. E no seu cavalo picaço, sem mais haveres do que a amizade dos dois únicos homens, Manuel Martínez e Joaquim Lencina que lhe foram fiéis e o seguiram até o fim, atravessa as águas do Itapua e em meio à poeira vermelha que se levanta no caminho, traça o seu destino.          

 José Artigas tinha cinqüenta e seis anos e os cabelos grisalhos quando, num pequeno povoado perdido em  meio à florestas tropicais, iria iniciar uma vida nova, arando  o campo, plantando feijão, milho e mandioca. E, na pobreza e na solidão, passam-lhe os anos até esse dia 23 de setembro de 1850 em que, aos oitenta e seis anos, morre na terra alheia que  já não quisera abandonar. Para trás, esquecidas e repudiadas, as suas medidas revolucionárias, promulgadas quando governava a província Oriental  e entre as quais uma das mais importantes,  a de 10 de setembro de 1815 que dispunha sobre a repartição das terras.

            Conforme consta no livro de Carlos Machado, Historia de los orientales (Montevideo, Ediciones de la Banda oriental, 1972),  sob o sugestivo título “Para o fomento do campo e segurança de seus estancieiros”,  as partilhas eram regidas por normas: que  aos mais pobres fossem oferecidos maiores privilégios;  que tendo recebido terras o beneficiado era obrigado a nela estabelecer construções e currais; que não podiam as terras serem vendidas nem hipotecadas.

            Um dia antes, José Artigas tinha decretado outra medida regulamentadora dos procedimentos aduaneiros: taxa de vinte e cinco por cento (variando para determinados produtos entre quinze e quarenta por cento) para as importações, sendo que para os produtos da América (erva, fumo, trigos e farinhas, ponchos e aperos de cavalo, passas e nozes, algodão) a taxa seria de quatro por cento.  Isentas,  as máquinas, instrumentos de ciências e artes, livros, medicamentos, armas brancas e de fogo, o ouro e  a prata.   Sete meses depois, outras  medidas  irão orientar o comércio nos portos da província que somente poderá ser praticado pelo que denomina americanos isto é, os naturais da terra em oposição aos espanhóis, ingleses e franceses. Também,   determinar que toda a fábrica de sebo ou outra produção do país, seja de propriedade dos naturais assim como a compra e produtos do país. E que devem ser fechadas todas as fábricas que estejam nas mão de estrangeiros, assim como os armazéns e a lojas cuja propriedade deve ser, exclusivamente, dos filhos da terra.

            Evidentemente,  pouco demorou para que tivessem  início as tramóias que, do interior da Província e fora dela, lhe minassem as forças e  o levassem ao fracasso. Num esforço ingente – e batalhas, e combates e escaramuças –  lutou  José Artigas durante quatro anos. E, nas nascentes do Tacuarembó foi que ocorreu, no dia 22 de janeiro de 1820, a sua última e definitiva derrota.

            Porque, é óbvio, que os seus  excessos nacionalistas  (veremos nossos países satisfazendo a ambição dos estrangeiros se não lhe obstruirmos os passos que lhes estão sendo franqueados) não  podiam ter guarida num Continente que sempre foi terra de ninguém ou do mais forte.

 

Aprendeu dos ventos do campo, do ensinamento da Natureza, a justa liberdade. Sua alma se alimentou de luz livre; seu coração, de nobreza; seu braço de força. Rubem Dario.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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