Lá no
alto
sob o sol,
sob o azul
nos amamos
Entre ervas
Entre pedras,
Sobre terra
nos amamos
entre agrestes
e silvestres
flores e hastes
florescemos.
Oliveira
Silveira.
Anotações à margem. 1967-1994 foi publicado em 1994, pela
Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, na série Petit Poa. Escritos
ao longo dos anos, como informam as duas datas compreendidas no título e uma ou
outra, acompanhando algum poema, são versos que expressam a vida. Daí os
múltiplos temas a lhe darem origem, desvendando a alma de Oliveira Silveira que
se mostra, então, plena de nuanças. Como um denominador comum, o estar
presente, disponível para a apreensão do momento vivido. Assim, o poema de amor
pode se erigir em anúncio de um breve desejo, na tradução de um agreste
erotismo, em simples ânsia de amar, no leve exercício do versejar, na lembrança
de um encontro perfeito ou em motivo
para a farpa lançada ao preconceito racial. Outro tom é a lucidez tranqüila
com que o poeta irá se deter na
desilusão que lhe provoca o seu país. Em “Duas anotações” é um fatalismo triste
que se mostra diante das velhas constatações eles estão nos roubando e na melancolia impotente de ter desejado coisas
e não ter tido porque a pátria está longe
de ser, nessa herança que o poema “Permanência” esboça e na qual cabem as
insígnias perenes do poder e a sempre renovada busca do povo no seu trabalho de
Sísifo. Em meio à dor de existir, cujo drama é nascido, sempre, de uma
constante, a solidão (Dia, turvo dia,/quem vai aqui sou eu,/só eu,/tão só.),
o poder de captar a beleza efêmera de que está feito o poema “Jovem senhora
negra” (Jovem senhora negra/ de nenén no
colo/ passando por mim de noite,/ rua
quase escura./ jovem senhora negra, bela senhora mãe.) e uma grande
nostalgia nesse dar-se conta das perdas – a casa abandonada e vazia, outra que
é posta abaixo para ceder ao progresso, a ponte, mudando a paisagem – a
reafirmarem esse sentir que, feito raiz,
aprisiona ao lugar de origem, um pouco de troça. Maliciosa, ao confessar
que inveja aquele cara, sentimento
que parece não ter sentido ao acrescentar, no verso seguinte, que se trata do maior corno da paróquia. No entanto, é
ele e não outro quem acompanha a mulher cobiçada, quem vai indo com ela. Surpreendente, ao constatar a incoerência que
ordena usos e costumes: a troça está contida no título do poema, “O cúmulo”,
cujo sentido será esclarecido no último verso que, então, o irá justificar: A vida
toda de camisa esporte./Jaqueta de uma cor, calça da outra, /sapato sem
cordão./a vida libre e aberta,/sem artificialismo e convenções, /num culto
intransigente/ da autenticidade, até a
morte./E depois de tudo isso/enterrarem a
gente de gravata. E, ainda, um tom diverso e cruel, na síntese em que seis
brevíssimos versos, testemunham o crime contido na destruição de um pássaro: Bem te vi,/bem te vi./Pedra bodoque zás!/ asas pra que te quero./Nem te
vi,/nem te vi.
Claro
e espontâneo, neste Anotações à margem
é o verso. Inscrito no cotidiano, e no seu tempo, extremamente autêntico e
terno e perspicaz, completa esse outro dizer poético de Oliveira Silveira que
exprime, profundamente, a negritude – e a verdade dos ancestrais judiados sem
limites, e o sofrimento imposto pelo
preconceito – numa privilegiada
expressão feita dos necessários ódios e de ternuras.

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