domingo, 17 de setembro de 2000

Da vida.



Lá no alto
sob o sol,
sob o azul
nos amamos
Entre ervas
Entre pedras,
Sobre terra
nos amamos
entre agrestes
e silvestres
flores e hastes
florescemos.
     Oliveira Silveira.

            Anotações à margem. 1967-1994 foi publicado em 1994, pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, na série Petit Poa. Escritos ao longo dos anos, como informam as duas datas compreendidas no título e uma ou outra, acompanhando algum poema, são versos que expressam a vida. Daí os múltiplos temas a lhe darem origem, desvendando a alma de Oliveira Silveira que se mostra, então, plena de nuanças. Como um denominador comum, o estar presente, disponível para a apreensão do momento vivido. Assim, o poema de amor pode se erigir em anúncio de um breve desejo, na tradução de um agreste erotismo, em simples ânsia de amar, no leve exercício do versejar, na lembrança de um encontro perfeito ou em  motivo para a farpa lançada ao preconceito racial. Outro tom é a lucidez tranqüila com  que o poeta irá se deter na desilusão que lhe provoca o seu país. Em “Duas anotações” é um fatalismo triste que se mostra diante das velhas constatações eles estão nos roubando e na melancolia impotente de ter desejado coisas e não ter tido porque a pátria está longe de ser, nessa herança que o poema “Permanência” esboça e na qual cabem as insígnias perenes do poder e a sempre renovada busca do povo no seu trabalho de Sísifo. Em meio à dor de existir, cujo drama é nascido, sempre, de uma constante, a solidão (Dia, turvo dia,/quem vai aqui sou eu,/só eu,/tão só.), o poder de captar a beleza efêmera de que está feito o poema “Jovem senhora negra” (Jovem senhora negra/ de nenén no colo/ passando por mim de noite,/ rua quase escura./ jovem senhora negra, bela senhora mãe.) e uma grande nostalgia nesse dar-se conta das perdas – a casa abandonada e vazia, outra que é posta abaixo para ceder ao progresso, a ponte, mudando a paisagem – a reafirmarem esse sentir que, feito raiz,  aprisiona ao lugar de origem, um pouco de troça. Maliciosa, ao confessar que inveja aquele cara, sentimento que parece não ter sentido ao acrescentar, no verso seguinte, que se trata do maior corno da paróquia. No entanto, é ele e não outro quem acompanha a mulher cobiçada, quem vai indo com ela. Surpreendente, ao constatar a incoerência que ordena usos e costumes: a troça está contida no título do poema, “O cúmulo”, cujo sentido será esclarecido no último verso que, então, o irá justificar: A vida toda de camisa esporte./Jaqueta de uma cor, calça da outra, /sapato sem cordão./a vida libre e aberta,/sem artificialismo e convenções, /num culto intransigente/  da autenticidade, até a morte./E depois de tudo isso/enterrarem a gente de gravata. E, ainda, um tom diverso e cruel, na síntese em que seis brevíssimos versos, testemunham o crime contido na destruição de um pássaro: Bem te vi,/bem te vi./Pedra bodoque zás!/ asas pra que te quero./Nem te vi,/nem te vi.

            Claro e espontâneo, neste Anotações à margem é o verso. Inscrito no cotidiano, e no seu tempo, extremamente autêntico e terno e perspicaz, completa esse outro dizer poético de Oliveira Silveira que exprime, profundamente, a negritude – e a verdade dos ancestrais judiados sem limites, e o sofrimento imposto pelo  preconceito –  numa privilegiada expressão feita dos necessários ódios e de ternuras.

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