Como um fiapo de palha
que no vento anda perdido
a vida é uma partida
onde é o outro quem embaralha
onde se sobe e se desce
como se fosse um carrossel.
Cinqüenta
anos se passaram desde que o compromisso foi assumido. Francisco R. Bello
exercia sua atividade diplomática na Venezuela quando, num passeio com amigos,
prometeu glosar em décimas os sextetos de Martin
Fierro. Embaixador, professor do Instituto del Servicio Exterior, membro do
Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales, Deus e a Chancelaria demoraram
para lhe dar tempo de realizar o prometido. Assim, somente em 1996, é que,
finalmente, publicou, em Buenos Aires, Glosas,
por décimas al Martin Fierron numa
edição do Repertorio Latinoamericano, publicação da qual é Diretor.
São
dezessete estrofes do Martin Fierro
que dão origem a cento e duas nas quais Ricardo R. Bello não apenas dá provas
de sua arte de poetar como de um profundo conhecimento da alma humana. Embora
apareçam nesses versos algo que se poderia identificar como auto-biográfico (a
sua ida à Venezuela, a amizade em Caracas com o poeta Petro Sotillo, o estar
cativo de uma ingrata, o viajar constante, a estada em Washington, o sentir a
velhice chegando, a relação com os livros que lê ou que escreve) ou testemunho
de seu tempo (troça de um impotente tratamento médico, referência ao big-bang
do firmamento, menção às drogas perniciosas e ao colesterol, à insegurança e ao
alto custo de vida em Buenos Aires, a mudança de comportamento das mulheres) sobressai,
sem dúvida, pela argúcia e pela
propriedade a sua reflexão sobre a vida: “ melhor do que ter
dinheiro/ é ser rico em experiência”;
“ podes confiar no teu Fado/ mas ata bem teu camelo;/ que não te cegue a fagulha/ de um
destino afortunado”; “que ninguém se
vanglorie/ de ser descobridor/ do
mistério do amor/ porque isto tem outra chave”; “o homem de estirpe dura/
altivo e provocador/ somente teme ao
amor” Desta reflexão não está isenta uma ou outra confissão: as penas de
amor (Por algo sobrevivi;/ se sobrevivo a
tua ausência/ e a cruel indiferença/ e a teu desdém e a teu olvido), a alegria de viver (Aqui tenho minha morena/ meu pranto e meu riso, /minha máquina de escrever, meus livros,
minha companheira...../ o que vou
fazer no céu/ privado de tantos bens?
), a breve profissão de fé (
minha liberdade, prefiro meu rancho a parte),
a visão de mundo conservadora ( Serás o que deves ser. Ou então não será
nada/ o caminho esta assinalado/desde a hora de nascer/Cada um no seu mister/
tem a razão de trabalhar/ porque o boi tem que arar/ porque a fêmea tem que
parir,/ porque o pobre tem que sofrer/ porque o cardo tem que espinhar.
Na verdade,
Ricardo R. Bello escolheu apenas as estrofes de José Hernández que serviriam a
seus desígnios pois, como ele mesmo diz,
um diplomata não se mata, trabalhando.
Ao glosar cada um dos versos, fê-lo ao
acaso, ao sabor do momento, expressando
idéias e emoções que não repetem
o dizer de Martin Fierro, de seu filho mais velho ou do Sargento Cruz, também
vozes do Martin Fierro, pois, é evidente, tal não foi o seu propósito.
Então, Glosas, por décimas al Martin Fierro não se faz de um tema único,
de um relato de andanças e de lutas como é o caso da obra em que se inspira mas
de estrofes que dizem – um tema eterno – do homem e de seus sentimentos numa
homenagem feita de belo e sábio exercício poético..
Nenhum comentário:
Postar um comentário